Brat Summer, indie sleaze e um revivalismo que nos chega cedo demais
A constante nostalgia dos revivalismos, a que assistimos desde que me lembro, parece andar cada vez mais rápido. Desde que comecei a prestar atenção a modas e trends, e a como estes influenciam a cultura que consumimos e até formas de estar e agir, já recuperamos inúmeras épocas — anos 60, anos 80, Y2K, entre outros exemplos —, muitas delas em simultâneo.
Em 2024, a nova vaga de saudosismo parece virar-se para o período da cultura pop que dominou uma década inteira entre 2002 e 2012, e que entretanto carinhosamente apelidamos como indie sleaze. O irrepetível período pós Internet (pesquisem Dot-com bubble) e pré redes sociais trouxe-nos uma década marcada por uma geração cuja presença online era despreocupada e, aos olhos de hoje, até bastante ingénua, onde a Internet servia apenas para informar o círculo mais chegado, sem a necessidade de curadoria que despersonalizou as redes sociais e as tornou numa montra de ficção que raramente mostra a realidade de quem as utiliza.
Foram as câmaras digitais, cada vez mais pequenas e baratas, que documentaram um período que teve tanto de extremos como de sinceridade, em que o indie rock se cruzou com a música de dança e levou uma geração inteira a sair à noite vestida com skinny jeans, Converses, Dr. Martens e Ray-Bans, para ouvir os hits que tinham ganho popularidade no MySpace e no Tumblr, redes sociais que foram chave na propagação da estética que representava a moda alternativa da altura, em que a roupa barata de lojas como a Urban Outfitters e a American Apparel dominava.
Embora tenha acabado há pouco mais de dez anos, é fácil perceber o interesse renovado pelo indie sleaze. Marcada por dois momentos-chave na história, o 11 de setembro de 2001 e a crise de 2007-2008, a geração jovem da altura vivia sem perspectivas de futuro, com pouco dinheiro e, como tão bem explica o livro Meet Me In The Bathroom, de Lizzy Goodman (provavelmente aquele que melhor documenta este período), com “uma sensação constante de que o mundo podia acabar a qualquer segundo”. Foi com base neste sentimento niilista que cresceu a inconsequência e a despreocupação que marcou esta década e que levou o indie sleaze a associar-se sobretudo à cultura da noite, dos clubs e das raves, fossem elas ao som de LCD Soundsystem, The Strokes e Yeah Yeah Yeahs ou de Calvin Harris, Kesha e Lady Gaga.
Se olharmos para as condições sociais e económicas da altura, percebemos que os paralelismos com a atualidade são muitos. Também a geração de hoje tem visto o seu futuro hipotecado, enquanto cresce num ambiente de extremismos, com uma sociedade dividida e responsável por inúmeras guerras e conflitos sem fim à vista. Depois de uma pandemia que nos isolou socialmente e que viu a cultura pop dar resposta a este sentimento através da ascensão de vários singer-songwriters — olhando para as nomeações para o Grammy de Best New Artist desde 2020, destacam-se Phoebe Bridgers, Maggie Rogers, Billie Eilish, Arlo Parks, Gracie Abrams ou Victoria Monét —, chegamos a 2024 com a sensação de que há um cansaço generalizado quanto à estética clean, sóbria e acomodada que dominou nos últimos anos. Citando Mark Hunter, o fotógrafo de Los Angeles cujo blog The Cobrasnake foi um dos pioneiros da estética indie sleaze, “quando vejo as minhas fotografias [da altura], vejo pessoas que estão a viver a sua melhor vida, sem estarem constantemente no telemóvel ou a posarem para a câmara. É este espírito orgânico e livre de preocupações, de quem vive o momento, que as pessoas procuram”.
Embora o comeback do indie sleaze já tenha dado sinais de vida ao longo dos últimos dois anos através de releases mais alternativos, como é o caso de The Dare, The Hellp ou Water From Your Eyes, é o impacto cultural que está a ter BRAT, de Charli xcx, cujo alcance já não se limita àqueles que estão “chronically online”, que me leva a acreditar que este revivalismo pode mesmo chegar ao mainstream.
Se olharmos para tudo o que define um “brat summer”, encontramos várias das directrizes que caracterizaram o movimento indie sleaze: não nos conformarmos com o status quo e abraçarmos a nossa individualidade sem pedidos de desculpa ou vergonha pelo que isso significa.
Como qualquer trend, acredito que este revivalismo, a acontecer, trará tanto de bom como de mau, e será só mais um no meio de muitos que vão e vêm. No entanto, vale a pena agarrarmo-nos ao que o indie sleaze teve de melhor, e que a Charli xcx tão bem explora neste seu novo disco. “Brat summer” é a celebração da individualidade, da amizade, do prazer e da diversão, e de um lifestyle em que definimos as nossas próprias regras.
Podes escutar ‘PASSAR MAL’, o novo single de Hause Plants, nas várias plataformas de streaming. A banda toca este sábado (20) em mais uma edição do Super Bock Super Rock no Meco.