Sophia Chablau na Galeria Zé dos Bois: Um rolê para celebrar a cultura brasileira

Após ter iniciado a sua pequena digressão por Portugal em Esposende, descendo depois para o Porto, Sophia Chablau chegou à capital, a 26 de julho, para tocar na Galeria Zé dos Bois. Numa pequena mas acolhedora sala como a da ZdB, a artista paulista trouxe-nos um conjunto de temas que nos levaram numa viagem através da cultura brasileira. Tendencialmente influenciada pelos tons amarelados e laranjados do palco e pela noite quente, Sophia Chablau trouxe, num intercalar de temas originais e adaptações, todos os ingredientes necessários para um autêntico “rolê”. Antes da “líder” de Sophia Chablau e uma Enorme Perda de Tempo ter subida a palco, EVAYA soltou os corpos do público a abrir a noite com a ajuda das batidas meditativas e dançantes das canções de Abaixo Das Raízes Deste Jardim (2024).

Comecei por ver o concerto de fora, através da janela que mostrava um pouco do público e do palco, onde observava um universo muito longe da realidade. Num espaço totalmente envolvido por uma névoa roxa,  silhuetas mexiam-se de um lado para o outro ao som da música. A curiosidade não matou esta gata; pelo contrário. Tinha-me tornado parte da plateia, enfeitiçada pela voz repleta de grande misticismo e pelos movimentos coreografados de Beatriz Bronze. Embora o concerto tenha sido algo curto, foi notória, até ao fim, a atenção da sala perante os atípicos efeitos modulares e batidas de eletrónica que ecoavam por aquelas paredes. E por mais irreverente que seja a sua sonoridade, eu e toda a plateia conseguimos arranjar uma forma de criar a nossa própria coreografia. EVAYA saiu do palco e a vontade de ouvir mais permaneceu em mim. 

EVAYA na ZdB. Fotografia: Beatriz Pequeno
EVAYA na ZdB. Fotografia: Beatriz Pequeno

Após um compasso de espera, entre ir buscar uma cerveja fresca para colmatar o calor e fumar um cigarro, Sophia Chablau subiu ao palco acompanhada apenas da sua guitarra, dois pedais e os seus característicos óculos de sol vermelhos. Antes de tocar, a artista quebrou, de forma carismática e cómica, a barreira de constrangimento, convidando o público a aproximar-se. Estava na altura de se escutar esta serenata e a atitude de Sophia garantiu uma coisa: que esta noite na ZdB seria de um intimismo diferente daquele que Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo trouxeram ao Musicbox no início de junho.

Sophia Chablau começou por tocar temas originais: “Lungs full of air” e “Hexagrama 28”. Infelizmente, isto são temas apenas reservados para os seus concertos a solo e, por isso, apenas restam algumas notas a ecoar na nossa memória. Depois, os clássicos. Tocou composições do primeiro disco de Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo (o homónimo), como “Se Você” (misturada com “Menino Lindo” de Rita Lee, uma das suas referências) e “Hello”. Esta última, devido à sua letra cómica, conseguiu sacar umas quantas risadas do público pelo meio.

Não que o início deste concerto tenha sido morno, mas foi só quando Sophia anunciou que ia tocar “Pop Cabecinha” que o público entendeu que a sala ia aquecer – pela energia da canção, claro, mas também pela presença eletrizante e descontraída da artista. De repente, os nossos corpos foram desbloqueados e convidados a bater o pé.  Momento ideal para isso, porque Sophia decidiu que era altura de tocar canções do mais recente álbum da sua banda – Música do Esquecimento. “Quem vai apagar a luz” acendeu a chama e “Segredo” estava na ponta da língua do público.

Intercalando com os seus originais, Sophia Chablau deu-nos também a conhecer um pouco mais das suas referências. Tocou “É preciso perdoar” de João Gilberto, e levou-nos numa viagem até aos anos 60, com o tema “Grilos” de Erasmo Carlos, um dos pioneiros do rock brasileiro, (em homenagem à liberdade e à paz), e juntou “Palco” de Gilberto Gil a “Idas e Vindas do Amor”, mais uma canção onde Sophia coloca as suas emoções cá fora como pode.

Fotografia: Beatriz Pequeno
Fotografia: Beatriz Pequeno

Perto do final, uma nova composição – “Nova Era” – abriu o apetite para o futuro e “Debaixo do Pano” trouxe groove a esta noite, misturando os versos sambásticos de “Bico do Mamilo” de Ana Frango Elétrico, artista que se encontra intimamente ligada à evolução artística de Sophia Chablau. No fundo, serviu para satisfazer aqueles que não puderam ir ao Festival Musicas do Mundo.

Naquilo que seria a última canção, Sophia Chablau arpejou as últimas notas da balada “Cinema Brasileiro” e, de repente, foi manifestado o clássico suplico “só mais uma”,  que fez com que a artista, já de pé, voltasse a pegar na sua guitarra e tocasse “Delícia/Luxúria”. A artista foi embalada e com um à vontade com a sua plateia, pediu que assumissem o papel de coros no refrão. Num jogo de eco, cantaram todos: “Minha vertigem, minha mágoa, minha desculpa”.

Não era preciso mais e não seriam precisas desculpas se não houvesse mais nada a cantar. Porém, um último momento, uma última memória. Em dedicatória a todos os brasileiros presentes na sala, Sophia tocou um hit da sua infância que ela própria assumiu não saber tocar. Ao som de “Ela Só Pensa em Beijar (Se Ela Dança, Eu Danço)” de MC Leozinho, os últimos momentos deste baile foram celebrados com nostalgia e alegria. Para isso, não são mesmo necessárias desculpas.

Matilde Inês é uma pessoa que se emociona com os pequenos pormenores. É mais provável ouvimo-la a cantar as back vocals ou solos de guitarra, do que a letra principal. Recém licenciada em Ciências da Comunicação e que, atualmente, trabalha como radialista e jornalista na Rádio Voz de Alenquer. De vez em quando, escreve aqui e ali sobre música.
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Um concerto intimista que se transformou num grande baile.

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