No coração da cena musical portuguesa, surgiu um novo disco que promete transformar a trajetória de Joana Silva, mais conhecida como JÜRA. Chama-se sortaminha, é o seu primeiro longa-duração e é muito mais do que um mero conjunto de quinze faixas – é um hino pessoal, que marca uma nova e vibrante fase na sua vida, e é um reflexo da identidade bem definida e multifacetada de uma artista que transcende fronteiras, fundindo hip-hop, R&B, trance e a pop que tem vindo a lapidar desde 2020.
Se fez dos EPs jüradamor e rés.tu um refúgio para os seus choros e lamentos, agora JÜRA tornou este sortaminha num palco para a celebração do amor e da vida. Com uma abordagem arrojada e uma escrita genuína, JÜRA convida-nos a mergulhar profundamente na sua nova era, onde a felicidade e a gratidão dançam juntas em harmonia.
L-ALI, DØR, miguele e NED FLANGER foram os braços direitos, a equipa de sonho em quem confiou para a produção do álbum, contando ainda com uma ajuda, pelo meio, de Luar, João Maia Ferreira e Beiro. Como se não bastasse, ainda chamou L-ALI – a sua “musa” – e Real GUNS para cantar consigo em duas canções, ampliando esta viagem sonora e sensorial que nasce do desejo irrefreável de expressar cada batida do seu coração e cada nuance da sua alma.
Como um rio que ora flui calmamente, ora se agita, este disco surpreende-nos a cada faixa, mantendo, contudo, um fio condutor inquebrável: a verdade de JÜRA. Enquanto ela grita «sorte a minha», nós gritamos «sorte a nossa» – por a ter.
Em entrevista à Playback, JÜRA desvenda o processo de construção do disco, fala sobre quem e o que a inspirou e antecipa os próximos passos.
Há pouco mais de dois anos estava a entrevistar-te para o Espalha-Factos sobre o teu primeiro EP e agora cá estamos para falar sobre o teu primeiro longa-duração. Do fundo do meu coração, que bonito tem sido acompanhar-te.
Opa, obrigada!
Para ti, o amor e a dor do amor andavam sempre de mãos dadas, e isso refletiu-se bastante nos teus EPs, jüradamor e rés.tu, caracterizados por uma tonalidade mais melancólica. Hoje em dia, a tua perspetiva já é outra e a prova disso é este sorteaminha que transborda amor, felicidade e gratidão. O que é que mudou em ti? O que é que mudou na tua vida?
Isto é mesmo interessante. Tipo, sempre achei e sempre disse que a minha música estava completamente ligada a mim, mas é depois nestas coisas tão concretas que percebo que não dá mesmo para dissociar uma coisa da outra. Quer dizer, a minha vida continua, há altos e baixos e, de repente, venho parar a um amor super saudável, recíproco, bonito e que está a ser lindo de se viver. E isso muda a minha perspetiva toda do que é uma relação, do que é o amor em si e do que é viver o amor. E isso reflete-se bué na minha música. Foi tão contrastante. Achava mesmo que a dor ia estar sempre presente na minha vida e que eu ia estar sempre em sofrimento de alguma maneira, por ser tão intensa e por saber que nem todas as pessoas têm que ser como eu, obviamente. E, se calhar, acabava por criar nas relações uma falta de alguma coisa. Ou seja, como sinto que sou muito, às vezes sentia que era demais e isso trazia um peso agregado. Mas quando chegas a uma relação destas, que é sobre reciprocidade, altera tudo, até a sonoridade. Juro, até eu fico fascinada com esta cena da vida e o quão as perspetivas podem mudar o que nós fazemos.
De uma pessoa intensa para outra pessoa intensa, achas que a intensidade é uma coisa má?
É assim, não sinto que seja mau. Tenho a certeza que nós, pessoas intensas, vivemos as coisas boas com muito mais intensidade, mas também vivemos as coisas más com muito mais intensidade. E, por isso, talvez seja mais difícil viver desta forma. Mas, ao mesmo tempo, é muito mais recompensador. Na verdade, não queria viver de outra maneira. Mesmo quando estava numa fase em que o mau era mais do que o bom, se calhar, preferia viver assim do que viver à tona.
Diga-se então que passaste por um processo de transformação pessoal que acabaste por exteriorizar através de novas canções. Esta é a JÜRA a celebrar a vida e o amor.
É isso mesmo. E, agora, fizeste-me lembrar de uma coisa que nunca disse sobre este álbum. Já tinha falado com o L, a musa do meu álbum e o meu amor bonito, antes de começarmos a estar juntos. Na verdade, até já tínhamos combinado que ele ia fazer parte do camp para o meu álbum. E, do nada, eu e o L começámos a estar juntos um mês antes do camp. Já estava programada a presença dele, por isso este álbum não foi nada pensado. Ou seja, não pensei assim “estou bué feliz, quero fazer canções”, de todo. Marcámos um camp para fazer canções, ele já estava incluído nesse grupo e, depois, a vida proporcionou uma semana mesmo mágica que fez com que este álbum nascesse.
“coração”, “aprenderaviver”, “transparente”, “ficocomigo”, “tu” e “avidadá” são os temas que mais refletem esta celebração da vida e de nós mesmos. Qual dirias ser o segredo para alcançar o mesmo estado de espírito que tu?
Olha, acho que é continuar fiel ao que se é – é muito importante. Mesmo quando a vida tenta puxar-nos para outros sítios ou tenta fazer-nos baixar os braços. Sobre isto, a minha perspetiva não muda. Lá está, aprender a viver, e aceitarmos e amarmos como somos – acredito ser uma das coisas mais importantes da vida. Sinto que só consigo viver este amor porque já estou super resolvida. Há coisas que se calhar não controlava tão bem, tipo em termos de ansiedade e reações – como sou muito intensa, obviamente que também o sou nas minhas reações. Mas cresci e amadureci. E ver todas estas coisas que fazem parte de mim como parte de mim – aceitá-las, resolvê-las e sabê-las – faz com que tenhas muito menos amarras, tipo nada te prende ao chão, podes voar bué alto. O segredo é conectares-te contigo.
A iniciar e a terminar o disco, apresentas dois interlúdios, “intro” e “tenhtudcá”. Como é que achaste que fazia sentido encaixá-los ali?
A “tenhtudcá”, que é a última, aconteceu no camp. Por acaso, tenho um vídeo, que ainda vou publicar, que é muito bonito e que foi gravado mesmo no momento. O Miguel Ferrador (DØR) estava a tocar piano e, de repente, opa, eu estava mesmo… Eram os últimos dias e, imagina, também nunca tinha passado tanto tempo com o L. «Não se partiu um prato», ou seja, ninguém discutiu sobre nada, que seria uma coisa completamente normal, num ambiente de amigos, tipo “vê lá se metes isso no sítio correto” [risos]. Não houve nada disto. Toda a gente estava num mood super chill, não havia horários para nada. Dei por mim a olhar à minha volta e a pensar “tenho tudo aqui, tenho tudo cá”. É lindo. Tenho uma família maravilhosa, estou com uma equipa bué fixe, estou a fazer isto, tenho um amor bonito – que é a coisa que mais quero na vida, viver amores bonitos, viver este amor. Então, só surgiu. O L tinha gravado isso no telemóvel e a Ana Ladislau também gravou com a câmara. Depois, tirámos o áudio da câmara e fez todo o sentido, para mim, acabar o álbum assim. Não foi premeditado. Enquanto a “intro” já era um desejo meu, porque queria ter alguma coisa a introduzir, que não fosse uma canção, que deixasse a pessoa no meu mundo. Tipo, antes de me ouvires cantar, vem cá – para aproximar um bocadinho as pessoas.
Sinto-te feliz, na melhor fase da tua vida, possivelmente. Acreditas que a vida ainda tem muito mais para te oferecer?
Ai sim, acredito, só pode! Quero muito mais [risos]. Estou bué grata. Amo fazer o que faço. Não só quero continuar a fazer o que faço, como também quero poder fazer cada vez mais coisas. Tenho uma perspetiva linda do que vem aí, porque, lá está, estou bem, tudo está bem aqui e isso só faz com que possamos fazer coisas ainda maiores.
A celebrar o amor, temos “tudoparachegarati”, “toutadar”, “tarondeder”, “infinitu” e “voltsó”. Nestas faixas, escreves sobre amor de uma forma nada crua em comparação às tuas canções antigas. Fala-me sobre “a musa” do teu álbum.
É a coisa mais linda da minha vida neste momento. É mesmo paz. Juro, a vida põe-nos em lugares que nós não estamos à espera, mas do nada faz todo o sentido. A “tudoparachegarati” nasceu com o L – ele tinha o beat já começado no computador e quando eu a escrevi… Esta é a canção que demonstra mesmo o caminho e que dá sentido. Acho que o mais bonito do meu amor com ele é o sentido de “cheguei”. Já estive muito apaixonada porque, lá está, gosto de viver as coisas com muita intensidade, e quando amei, amei muito, mas este sentimento nunca tinha sentido antes, tipo a plenitude. Bué lindo que o L tem um som com este nome [“Plenitude”]-
Ia dizer exatamente isso. Grande som!
Amo! Mas ya, nós damos match em tudo, tipo estamos super bem e vivemos super bem juntos e, musicalmente, identificamo-nos bué um com o outro e trabalhamos bué bem juntos. É bonito. E, lá está, sinto que continuo a ser uma pessoa intensa, ou seja, sinto que há muitas coisas que continuam a ter profundidade, até pequenas coisas do dia a dia e até esta intensidade de amar. Mas este álbum foi feito numa altura em que tudo estava mágico. Não é que agora não esteja, mas a vida, entretanto, atropela. Coisas que acontecem na vida, mesmo fora da relação, que me podem trazer um bocadinho mais para dentro. Mas, neste álbum, sinto mesmo que estou muito leve, tipo estou mesmo a voar, porque estava a viver tudo como se fosse uma bolha mesmo, a pairar no ar.
Para além do L ajudar na produção do disco, ainda surge ao teu lado no tema “+”. Tendo sido ele a tua “musa”, faria todo o sentido isto acontecer. Fala-me sobre este dueto.
O beat da “+” já existia – tal como a “tudoparachegarati” e a “tu”, que também já tinham uma base – e era do Miguel García (miguele), que é meu guitarrista e fez também parte da produção deste álbum. Então, levei com aquele beat, que é grande peso, e não estava nada à espera, isto porque o Miguel é uma pessoa bué calma. Nós temos uma relação bué gira, porque somos tipo irmãos, bué picardia, bué amor-ódio. Amor-ódio mas que não é ódio, é amor, mas pronto. E ele vem-me com aquele beat e eu “fogo, este gajo está a gozar, de onde é que ele tirou isto”. Toda a gente ficou maluca quando ouviu o beat no computador. E eu comecei logo a escrever e a fazer cenas, obviamente. E o L disse “opa, curto bué, isto está mesmo grande cena” e eu viro-me “podias entrar nesta, devíamos fazer um feat com isto”. Pronto, eu estava na sala e ele foi para perto da piscina, eu a fazer a minha cena e ele a dele. Não falámos sobre nada. Quer dizer, estava quase implícito que íamos escrever sobre o que estávamos a viver – um amor em conjunto -, não fazia sentido ser de outra maneira. Aliás, podia ser, mas ya. Obviamente que eu ia falar sobre ele, como falei no álbum inteiro [risos] e, lá no fundo, também sabia que ele ia ter a mesma ideia de falarmos sobre a nossa vida. E foi mágico, porque quando ele partilha comigo o verso dele, descobrimos que falámos os dois sobre água-
Isso até ficou gravado, partilhaste no teu Instagram.
Sim, sim, porque a Ladislau estava lá com a câmara. E, imagina, nós não mudámos nada, porque tudo fez sentido, tipo os nossos versos. Na verdade, para mim, o meu primeiro nome da música era “Desagua”, porque foi a palavra que me ficou do refrão e da minha escrita. E quando ele me diz “ya também escrevi sobre água”, e logo na primeira frase – “Eu ‘tou dentro d’água”, fiquei passada. Tipo, como assim? Mágico. Não há palavras, mesmo. Parece que a vida, às vezes, alinha-se de uma maneira que não dá para explicar. Foi mesmo bué cool. Gravámos tudo lá. Está bué louca. Adoro a canção. Na verdade, não foi toda feita lá, porque aquela bridge, mais para o final, foi posta em estúdio, que é aquela cena mais para o faduncho-
Isso ficou tão incrível!
Nem tinha pensado nisso, sabes? Tipo, fechámos a canção com o meu verso, o dele e o refrão, mas ao limar as arestas de tudo, ao ver o que poderia ou não faltar, pensei “oh ‘bora lá” e saiu-me aquilo – não estava nada à espera. Até eu fiquei surpreendida com aquela cena. Curto bué disso enquanto ouvinte: ouvir aquilo quase como se fosse uma terceira pessoa. Mas ya, foi tudo bué mágico, tipo não planearmos e sair tudo natural.
Acho genuinamente bonita a forma como abordas o tema do amor, quase como uma espécie de força revolucionária.
Ai, claramente. Vivo para o amor. Se houvesse uma religião sobre o amor, eu era o papa [risos]. Amo o amor. Punha tudo em questão por amor. Se me dissessem assim “ou tens uma carreira ou vais viver com o amor da tua vida para sempre”, escolheria viver com o amor da minha vida para sempre. Para mim, a vida é sobre amar. Dar amor e receber amor. É sobre estar e cuidar. E o amor tem bué formas e é isso que é tão bonito, tipo a quantidade de maneiras que tu podes amar, tanto uma pessoa, como várias pessoas, de formas diferentes. É tudo sobre compreensão, e sobre tu afastares-te um bocadinho de ti e dares tudo ao outro com tudo o que tu és, claramente esperando receber tudo o que o outro tem. Obviamente que não devemos esperar nada de ninguém, mas eu vivo para a reciprocidade, para viver momentos com pessoas e para me sentir tão importante para as pessoas como elas são para mim. E isso dá trabalho, porque as relações dão trabalho. Tu tens que te dedicar às pessoas, às amizades, à tua família, ao teu amor, e isso é a coisa mais bonita para mim. Se não houvesse amor, eu não estava aqui a fazer nada. Opa, a vida é para amar, é para nos interligarmos uns com os outros, é para aprendermos uns com os outros e é para aprendermos a amar melhor uns aos outros. E isso é outra coisa bué bonita que eu acho no amor: não basta nós sentirmos. Imagina, nós, às vezes, nem sequer sabemos sentir o amor, muito menos dá-lo ou partilhá-lo. É uma aprendizagem constante amarmos e darmos o amor à pessoa como ela merece recebê-lo. É aquela cena da linguagem do amor, que acho bué interessante. Tipo, dou uma coisa ao L e dou uma coisa à minha mãe. Se calhar, a minha mãe não vai olhar para o que lhe dei como amor, ou até vai. mas não da mesma forma. Todas as pessoas têm uma linguagem diferente, então acho que estamos sempre a aprender a amar e aprender a amar dá trabalho. Então, é para isso que serve a vida: para aprendermos a amar, para aprendermos a viver. E aprender a viver, para mim, é aprender a amar, porque só nos devíamos mover com amor. O mundo estava muito melhor se aprendêssemos todos a viver e a respeitar os outros, a amarmos os outros como eles são, e a nos amarmos a nós. Para mim isso é tudo, e às vezes fico mesmo enervada porque não percebo como é que o mundo não entende isso.
Para ti, amar alguém passa primeiro por amar a nós próprios?
Claramente. Tem que ser. Não há outra maneira. Lá está, é por isso que o amor das nossas vidas temos que ser nós, e nunca somos, nem nunca vamos ser. Entendo isso. Nós nascemos para errar, mas a errar temos que aprender. E para mim foi crucial em tudo, tanto na parte romântica, como na parte familiar e profissional, eu aprender a aceitar-me e depois explicar-me, porque ao explicar-me as pessoas compreendem. Se eu não me conhecer, não consigo explicar e ninguém me vai compreender. Para mim, esta altura da minha vida está bué linear. Como é que eu esperava ser compreendida se nós somos todos tão diferentes? Se eu não me conhecer, se eu não souber as minhas reações, a forma como eu amo ou as coisas que me magoam, eu não vou saber comunicar isso ao outro, e se o outro não sabe, pode magoar-me sem querer, pode amar-me da maneira errada, então acho que é tudo sobre isso, é sobre amor, é sobre comunicação, é sobre aprendermos a estar connosco. Opa, sinto-me mesmo invencível ao saber quem sou. Perguntam-me tantas vezes se não me faz impressão expor-me tanto. Mano, como é que me pode fazer impressão expôr uma coisa que é verdade? Assim não há margem. Tipo, o que tu sabes, já eu sabia, porque fui eu que disse. E eu apliquei a verdade na minha vida. Quando era miúda, eu mentia aos meus pais, até aos meus amigos e professores. Dizia tipo “rebentou-me um cano em casa” [risos], quando só tinha adormecido. E essas pequenas mentiras facilitavam a vida, mas comecei a pensar uma beca sobre isso, a conhecer-me mais e a mudar de perspetiva. Comecei a pensar nas verdadeiras consequências da vida e percebi que a consequência da verdade é sempre muito melhor do que a consequência da mentira. Curto bué viver nesta onda e não há nada de mal que me possa acontecer, porque vou estar sempre tranquila comigo e não há nada que apague isso, não há nada melhor que isso.
Tu tiveste outras relações antes do L. Acreditas que influenciaram a ser a pessoa que tu és e o amor que estás a viver hoje em dia?
Na verdade, acho que tudo foi dar ao L e teve que ser desta maneira. Tanto para eu crescer… Por exemplo, a minha relação com o Miguel Pacheco (aka FreeSoulBeats), que foi quem fez a maioria dos beats do meu primeiro EP, foi muito importante para a pessoa que sou hoje. Mesmo esta coisa de começar a fazer canções, ele a fazer os beats, parece que tudo estava minuciosamente alinhado para chegar onde estou. E, por isso, gosto bué de olhar para trás e, lá está, estar bem comigo. Sei que errei com pessoas – erramos todos no nosso crescimento -, mas sempre procurei viver num lugar de tranquilidade, verdade e compreensão, e por isso ainda tenho essas pessoas. Por exemplo, o Pacheco ainda está na minha vida, fizemos parte um do outro, e essa verdade, compreensão, whatever, dá a possibilidade de que tu não percas as pessoas que foram importantes para ti. A cena é: não posso dizer que não acredito no destino se a minha vida é isto, se a minha vida foi isto tudo, se se alinha tão minuciosamente. O L viveu em casa do Murta, casa que eu frequentava, e estávamos só ali e nem sequer sabíamos que íamos aqui parar. De certeza que isso influencia o facto de estarmos aqui. É bué fixe.
Para além do L, tens outra colaboração no álbum, com o Real GUNS, chamada “tempo”. Como surgiu esta simbiose?
Opa, adoro o GUNS. Sou bué fã. P’raí há dois/três anos, ele deu um gig nos Anjos 70, eu fui lá – já nos seguíamos no Instagram – e falámos. Basicamente, ele veio dar-me o propz a dizer “ah, temos que fazer alguma cena, ‘bora marcar, ‘bora combinar alguma cena” e eu já estava toda excited, porque curto bué dele, admiro bué o trabalho dele e a forma dele estar. Também é uma pessoa cheia de intensidade e é uma espécie de profeta, tem bué coisas para ensinar. Tudo o que ele diz é bué profundo e interessante. Então ya, sempre quisemos trabalhar juntos. Mas entretanto a vida começou a andar, eu tinha os meus projetos, queria fazer a minha cena a solo, sem feats e assim, e ele também estava com os projetos dele. Sempre estivemos em contacto nas redes, mas agora quando comecei a pensar em fazer o álbum sabia que queria ter o GUNS, porque era um feat que sempre quis fazer. Só pensei “tenho mesmo que o incluir no meu projeto” e, pronto, senti que era o momento certo, porque já estamos os dois posicionados de uma maneira bué diferente de há dois anos atrás. Mesmo que as pessoas vejam a minha música como uma cena mais pop, mainstream, whatever, queria trazer esse rap de rua para o meu álbum e tinha que ser o GUNS, obviamente, porque é o meu preferido. A “tempo” nasceu no camp e, por isso, nós não fizemos o som de raíz juntos, mas mostrei-lhe, ele curtiu bué, foi lá ao estúdio, gravou e ficou feito.
No Rimas e Batidas, o Miguel Rocha descreveu este sortaminha como “o disco mais arrojado de pop feito em Portugal em muito tempo” e eu não poderia estar mais de acordo. Diria que o segredo está em seres verdadeira contigo própria, em expressar o que vives e o que sentes, quer a nível lírico, quer a nível sonoro.
Tipo, eu amo este disco e estou bué orgulhosa dele, mas bué gente que me conhece só de me ouvir ficou do tipo “uau, não estava nada à espera disto”. Mas eu estava, porque eu sou bué isto tudo. Nós temos a “infinitu”, que é uma malha bué techno, que começou num trance-
É a minha favorita.
Obrigada! Tipo, eu ia a raves, era sempre raver mood mesmo, curtia bué dessas cenas. Quis então trazer essas outras partes de mim para o álbum. Sinto que os outros projetos foram sítios onde eu largava muito a minha dor e a minha dor expressava-se de uma forma… A minha dor não era raiva. Se fosse raiva, se calhar, as músicas saíam com uma sonoridade mais wild. Sempre senti dor num sítio mesmo profundo e que lamenta, tipo um choro. E, por isso, o jüradamor… E, se calhar, o rés.tu, já tem umas cenas assim mais… Mas mesmo assim, sinto que não tinha aquele rawr que sou bué. Sou mesmo os dois opostos – sou bué amor, mas também sou muito foda, não sei dizer isto de outra maneira. Criei-me… O mundo é um lugar que não é sempre bonito, então as minhas defesas… Sou uma pessoa que se defende bué facilmente, sinto que sou muito forte, e por isso, neste álbum, o amor trouxe-me esta liberdade de gritar. Se até aqui o que sentia me deixava um bocadinho mais na bolha e numa cena mais de arrancar o que sinto com a dor, o amor dá-me uma liberdade para ser tudo o que eu sou no seu máximo. Claro que na sonoridade também tiveram muito impacto as quatro pessoas que trabalharam maioritariamente comigo neste álbum, que são o L-ALI, o DØR, o NED FLANGER e o miguele. Obviamente que eles trouxeram também os seus inputs e eu quis muito deixá-los livres. Quando trabalho com as pessoas e com os produtores, prezo muito a minha liberdade de criação, eu não – vou dizer uma palavra que vai parecer bué rija, mas é a única forma que encontro de dizer isto mas – admito que me mudem, que me peçam para mudar uma linha melódica ou uma frase. Mas não é por mal. Isto não tem nada a ver com o ego, tem só a ver com a minha relação com isto, e com a minha necessidade que seja o mais verdadeiro possível e o mais automático possível. Às vezes penso “ah, mas podia…” Não, estou a mentir, porque nem sequer penso nisso, nunca penso que poderia fazer diferente. Portanto, também não quero que pensem por mim.
Por exemplo, estas quatro pessoas já trabalham muito bem comigo desta maneira. Desde o primeiro dia que o Ferrador me dá liberdade para eu fazer o que eu quiser e não questiona. O trabalho de produtor, às vezes, com outras pessoas pode ser um trabalho bué de conjunto, mesmo em termos de letra ou melodia. No início, quando começámos a produzir juntos, o Ferrador ainda me mandava umas dicas, mas ele percebeu que eu nunca ligava e nunca mudava o que ele estava a dizer [risos]. E, pronto, estas quatro pessoas também já sabem que valorizo tanto a minha liberdade, como a liberdade deles, por isso gosto de lhes dar toda a liberdade para fazerem o que quiserem. Depois, se eu entrar ou não naquilo, é uma conversa, porque pode não fazer sentido para mim, mas quando faz – e fez sempre, na verdade [risos]… Todos os beats que se começaram fez-se canções. Tudo fez sentido e nasceu esta sonoridade, muito ligada a todos nós, apesar de ter muito mais de mim. Sinto que é bué mágico pensar nisto como primeiro álbum, porque tudo o que veio até aqui era super eu, mas este dá mesmo a totalidade do que sou e posso ser. Tem os meus berros, o meu lado mais jazzy, o meu lado mais rockalhada, tem tudo. Tem-me a mim em todo o lado.
sortaminha nasceu de uma residência artística em Sesimbra em conjunto com o L-ALI, o DØR, o NED FLANGER e o miguele. Conta-me como foi esta experiência.
Foi bué louco. Foi bué fixe. Fomos para casa de um amigo meu, na Lagoa de Albufeira, e era mesmo aquela casinha de férias, com piscina, grelhador, tipo estava mesmo chill. Foi isso, tipo jolas, comida, piscina e música. Nós acordávamos todos às horas que nos apetecia. Não havia horários para nada. Podia ter havido, mas não. Estava a viver o meu amor mais bonito do mundo, tipo I’m living a dream, quase como um filme e eu era a personagem principal. Tipo, nem sequer preciso de planear, tudo vai correr bem. E, de facto, tudo correu bem e não planeámos nada. Foi super mágico para todos nós. É bué bonito pensar nisso, pensar que estas pessoas que tiveram lá vão para sempre lembrar-se daquela semana como eu. Estivemos lá cinco dias, fizemos dez malhas e nem foi cansativo. Trabalhávamos ora durante o dia, ora durante a noite. Eu, por exemplo, mergulhava bué, tipo p’raí oitenta por cento do álbum foi gravado em biquíni [risos]. Passava-me, por completo, quando ouvia as músicas e ia sempre mandar bombas [risos]. Opa, divertimo-nos bué. Não tivemos expectativas. Não tivemos regras. Só deixámos as coisas fluir e fluíram super bem. Foi basicamente uma semana de férias em que fizemos um álbum. Imagina, só para perceberes, saí de lá e comecei a chorar bué, porque não conseguia entrar em casa. Tipo, vivo num prédio e fiquei à porta do prédio dez minutos a chorar e o L tipo “mor” [risos] e eu “como é que eu vou para o mundo real agora” [risos]. Tipo, estava no mundo real de uma maneira bué linda na mesma, estava com o L e tudo, mas eia mano, sabes quando és puto e estás num fim de semana perfeito com os teus amigos e não queres ir embora por nada?
Sim, sim. I know the feeling.
Foi a mesma coisa que senti e já não sentia isso há muito tempo. Nunca tinha estado com nenhuma daquelas pessoas mais do que um dia seguido e foi mágico. E nós amamo-nos todos, amamos a vibração que aquela casa tinha, toda a gente estava chill. A Raquel, a namorada do Miguel, também esteve lá connosco e é fixe ver a perspetiva destas pessoas que estiveram mais a observar o que acontecia ali. E até para elas é uma cena que ninguém sabe explicar. Ninguém sabe explicar como é que aquilo correu tão bem, como é que foi tão bonito, como é que foi tão mágico. Mas foi. E quero bué repetir, quero bué ir outra vez. É mesmo revitalizante.
Mais à frente, ainda juntaste, na produção, o Luar, o João Maia Ferreira e o Beiro. Como chegaste até eles?
O L faz parte da MUNNHOUSE, tal como o João Maia Ferreira e o Beiro, daí a conexão. O Luar já o conhecia, na verdade. Todos os sons foram feitos numa sessão que tive com cada um e foi por acaso. Quer dizer, não foi por acaso, porque não pensei “quero-os no meu álbum”. Tipo, houve o camp e, depois, até o álbum sair, fiz uma sessão com cada um. A do Beiro (“voltsó”), estávamos os dois na MUNNHOUSE, pensámos “opa ‘bora fazer uma cena” e fizemos. A do Luar (“ficocomigo”), já estávamos para fazer uma sessão há bué tempo, marcámos e fizemos o som. Com o João (“aprenderaviver”), também combinei com ele para fazermos qualquer cena e fez-se numa sessão. Foi tudo bué rápido. Depois, senti que faziam sentido no álbum, porque, lá está, foram escritas nesta onda de amor. Na verdade, primeiro estava bué na cena de lançar só sons que fizemos no camp, mas depois pensei “não, isto faz-me bué sentido”. Ficou tudo bué coerente perante a vida, porque estava na mesma nuvem de amor. Senti também que eram canções bué diferentes e eu estava à espera disso, de ter várias sonoridades no álbum, e eles também trouxeram outras coisas para ele e foi bué fixe.
Sei que gostas de trabalhar tudo em estúdio e que não levas ideias pré-concebidas. Como funciona o teu processo criativo e como é que as faixas de sortaminha ganharam forma?
Então, é muito fácil. É tipo assim, alguém começa a tocar uma coisa ou mostra-me um beat, eu começo a cantar e começo a perceber… Se eu começar logo a sentir a cena e a gostar de como estou a reagir melodicamente… Porque tem tudo a ver com a reação. Não faço música intencional. Tipo, curto bué de namorar o beat, de ouvir o que me apresentam, por isso gosto de criar com estímulos. Gosto que me dêem um estímulo para reagir. Então o producer dá-me, por exemplo, só uma bassline ou só uma drumline – uma base qualquer – , e até pode só estar ainda experimentar ainda, se me entra, fico tipo “ok, é por aqui”. Começa a melodia e depois vêm as palavras. Tipo, começo a pensar “o que é que estou a sentir, para onde estou a ir” e pronto. Este processo é bué de descoberta para mim. Um exemplo concreto é a “coração”. Eles estavam a tocar na guitarra, comecei a mandar uns improvisos de melodia, e de repente começou-me a sair a cena do refrão – [canta] -, tipo bué sofrido. É tudo bué sensorial. Lá está, não é propositado, é uma reação, e eu permito-me deixar-me levar. Depois, ouço bué o que tenho para dizer. Isto é sempre assim em qualquer canção.
Por exemplo, a “toutadar” é uma canção completamente diferente em termos de sonoridade… O que eu penso é o seguinte: o que é que a canção me está a dar, o que é que o produtor ou o beat ou o som me está a fazer sentir. O que aquilo me faz sentir é o mote para a canção. Não é tipo “ah, apetece-me escrever uma canção sobre…” Tipo, a letra do “coração”não podia estar no beat da “toutadar”, por exemplo. A letra da “toutadar” não podia estar no beat da “tarondeder”. Parece que cada coisa tem o seu propósito e eu sou bué emocional a fazer música. O processo é sempre assim. A melodia já vem com um sentimento que eu ainda não sei bem qual é, mas começo a encontrá-lo quando depois começo a pensar sobre isso e a dar-lhe palavras. Tipo, ultimamente tenho feito bué coisas em casa, porque agora temos um mini-estúdio e, no outro dia, estava lá com o L, ele a meter beats e eu com o microfone só a cantar – e eu já não cantava há mesmo bué tempo. Não sou aquela pessoa que escreve todos os dias. Antes era muito mais, porque não tinha oportunidade de ir a estúdio gravar. Agora gosto de me deixar viver. Vou sempre cantarolando, obviamente. Mas tipo, sentar-me ali, namorar o beat, começar a improvisar e cantar por cima sem saber o que é… Curto bué deixar-me ir. E senti aquela cena “amo fazer isto, nasci para fazer isto, só pode ser”. Aquela sensação de dentro. O meu processo é este: é ser, estar onde estou e reagir.
Há pouco, disseste que “as palavras vêm”. Como é que isto acontece? Tipo, tu tens um dom para a palavra e, aliado a isso, ainda tens uma marca muito própria pela forma como escreves. De onde vem tudo isto?
Em miúda, sempre gostei bué de composições, de escrever, de ditados, mas não ligava assim tanto a isso. Ou seja, escrevia tipo diário, curtia bué escrever sobre a minha vida, o que sentia e assim. Mas acho que foi no Chapitô que a cena mudou. Foi lá que comecei a escrever tudo junto e que aprendi a liberdade de criar. Então, acho que foi onde comecei a escrever mais artisticamente e isso deu-me outra perspetiva. Tipo, não escrevia só sobre o que se passava, mas, lá está, sobre o que sentia também. Acho que isso veio também na consequência de crescer, de me interessar por mim, de aprender a viver, de me conhecer a mim própria, por isso não sei dizer se escrevia ou não antes do Chapitô, na verdade. Mas tipo, a mandar mensagens, sempre fui bué intensa [risos], sempre fui bué poética. Já sabia que tinha ali alguma coisa, lá está, é essa intensidade que nós temos que faz com que nós vejamos a vida de outra maneira, e que ela tenha mais coisas e mais profundidade. Estudar Arte faz-te pensar muito sobre o mundo e sobre os outros. Foi no Chapitô, aliado ao meu pensamento artístico, que tudo se aprofundou. Sinto que me surpreendo a mim própria diariamente com esta coisa de que… Por isso é que acho tão fixe nos conhecermos, mergulharmos em nós, aprendermos a amar-nos, porque depois tu começas a ver-te de uma maneira bué cool.
Há coisas que digo, há frases que tenho no álbum – e mesmo nas minhas músicas para trás -, que fico bué tipo “eia, que lindo, como é que este sentimento se pode transformar nestas palavras e como é que uma coisa tão simples é tão profunda”. Gosto muito desta coisa na minha escrita, de a mensagem ser tão acessível, por mais que às vezes seja difícil de ler [risos]. Isto ajudou-me bué também a crescer, a partir do momento em que comecei a fazer canções, porque tu leres uma coisa que parece simples também simplifica o sentimento. Simplifica quando ele é um problema. Quando tu o consegues expressar, tiras-lhe algum peso, aquele peso morto que não está ali a fazer nada. É bué fixe, curto bué de me expressar e de me ouvir, porque isto é uma cena que é uma verdade. Ouço-me enquanto estou a escrever e penso “ah ‘tá bem, mágica” [risos], mas é mesmo [risos]. Obviamente, há coisas que digo propositadamente sobre o tema que estou a desenvolver, mas há frases que não sei como é que… Só senti aquilo, mas ainda não tinha ouvido aquilo. Então, quando ouço é bué “uau, é bonito”. Gosto muito de escrever.
Tens vindo a afirmar que olhar para a tua música como “pop meio disruptivo”. Diz-me o que isso significa para ti e como é que este estilo se manifesta em sortaminha? É que temos aqui uma fusão de bué sonoridades.
Olha, sempre tive aquele estigma de música pop, mainstream, bué podre [risos]. Tipo, eu ouço rap de rua, como assim faço pop? [risos] Mas ya, já percebi que faço parte e, na verdade, sinto muito isso cá, sinto que a minha presença no pop português… Tipo, não vou mentir, nunca vou ter falsa humildade, sinto mesmo que o que trouxe para o pop português ainda não existia cá e, na verdade, sinto que estamos numa era geral de pop disruptivo. Tu vês malta a fazer sons completamente diferentes, a ir buscar raízes e a trazer isso para a música pop. Acho que isso é um quebrar de todas as paredes. Sei que eu ao não ter medo de fazer música como eu quero, só porque eu quero, faz com que eu tenha essa liberdade de partir qualquer parede e qualquer conceito pré-concebido, e por isso soltam-se as amarras todas e faço isso. Estou super bem com o facto de fazer pop, mas fico muito orgulhosa de poder trazer esse quebrar de paredes para o pop português, porque sinto que é quase sempre a mesma coisa. Quer dizer, agora está a mudar. Sinto que agora, ao mesmo tempo que eu, estão a surgir outras pessoas, que vivem no mesmo mundo que eu e que se sentem também elas inspiradas pela vida e pela era em que vivemos, e que, por isso, também trazem isto tudo para a sua música. Mas não via isso acontecer antes de chegar. Ou seja, não tinha aquele exemplo de “esta pessoa está a fazer uma cena bué diferente”. Agora é bué fixe ver a diversidade que se está a criar.
Quais são as tuas maiores influências musicais e como é que elas se refletem no teu trabalho?
Essa é sempre a pergunta mais difícil para mim, porque sou daquelas pessoas mesmo aluadas que não sabe o nome de ninguém [risos], nem o nome das músicas [risos]. Imagina, há uma pessoa que vou mencionar sempre que é a Erykah Badu. Quando a conheci, o mundo mudou, só porque amei mesmo uma pessoa, uma pessoa que não conhecia. Tipo, nunca tive essa cena de idolatrar ninguém, mas admiro-a. Quando conheci o trabalho dela e a pessoa dela, fiquei mesmo tipo “uau”. Se há uma mulher na arte que me inspira é ela. Também outras mulheres me inspiraram, como a Marina Abramović, que é uma artista que não é musical, mas que tem obras que também desafiam bué o que é ser humano, o que é ser uma pessoa e a relação entre as pessoas. Mas ya, nunca sei responder a isto, porque sei que tudo me inspira… Sei que tudo o que consumo e tudo o que ouço vai influenciar o que vou fazer. Mas imagina, não ouço muita música no meu dia-a-dia ou, se ouço, está lá bué de fundo. Gosto de ouvir música para conhecer, mas não sou aquela pessoa que vai e acompanha, que vê e que sabe. Lá está, a minha cabeça não memoriza essas coisas, mas curto bué. E de sentir o que as pessoas estão a fazer. E ouvir. E sei que tudo isso, todas as músicas, todos os estilos que possa ouvir e por onde possa passar, me vão influenciar de alguma maneira. Mas não consigo dizer diretamente o quê.
Já agora, há algum estilo musical a que não dês tanta atenção? Ou gostas de conhecer um pouco de tudo?
Não ouço de tudo. Não ouço tipo aquele rock pesadão [risos], mas admiro. Por exemplo, o meu festival preferido de sempre é o FMM Sines – Festival Músicas do Mundo. Os meus avós têm lá uma casa e sempre fui lá desde miúda. E tenho a certeza que isso influenciou a minha liberdade, a minha forma de ser e de estar, não só na música, mas na vida também. Tipo, tu vais para lá e tu não sabes o que vais encontrar. Tu estás a ouvir música tirolesa e, do nada, vem uma banda de reggae e depois vem uma banda de, sei lá, dos Países Balcãs, tipo completamente diferente. Gosto muito de absorver isso, absorver a verdade das pessoas e ouvir música verdadeira, que se percebe mesmo que a pessoa está ali. É lindo. Agora estou a lembrar-me, por exemplo, que vi o Niño de Elche no FMM Sines. Não sabia quem era aquela pessoa, não fazia a mínima ideia. E tu surpreendes-te pela verdade da pessoa. Se eu o ouvi mais alguma vez? Não. Mas nunca mais me vou esquecer dele.
Isso é o melhor dos festivais, eu acho – esta cena da descoberta. Por exemplo, fui ao segundo dia do Primavera Sound Porto e confesso que só estava hyped para ver a Lana Del Rey. Mas, obviamente, aproveitei o facto de estar lá para ver e conhecer cenas novas, o que eu também amo, e saí de lá a dizer que o melhor momento da noite, para mim, foi o concerto de uma banda que eu mal conhecia, as The Last Dinner Party.
Conquistaram-te, ya. É isso mesmo. É uma cena muito fixe. Tipo, vais para ver uma pessoa e surpreendes-te, porque encontras outras bandas incríveis.
Tens alguma música favorita do teu disco?
Imagina, tenho vindo a dizer uma que acho que se mantém. Nunca gosto de dizer que tenho músicas preferidas, na verdade. Mas gosto muito da “tarondeder”, pela mensagem que tem. Acho que é uma ansiedade que tenho, de que as pessoas saibam que, mesmo que eu não esteja presente… Porque não sou uma pessoa muito presente, ou seja, não sou aquela amiga que está todas as semanas com os amigos, mas amo-os bué, mas também gosto bué do meu espaço e de estar tranquila. Não é que não esteja tranquila ao pé deles mas, lá está, não sou a pessoa mais social de sempre. Se calhar, posso passar uma semana inteira com eles, mas se tiver que ir para ali e acolá, não vou só para tomar um café. Depende. Não sou aquela pessoa que vai todos os dias tomar café com os amigos, mas é bué importante para mim eles saberem que eu estou aqui. Esta música foi escrita para o L, mas alastra-se para todas as pessoas que eu gosto. Gosto muito dessa mensagem, de que vou estar onde der e se eu não puder estar, tu vais sentir-me por perto, porque vou estar como der, porque vou mandar-te uma mensagem, vou deixar-te um bilhete, vou-te mandar alguma cena, porque quero mesmo que as pessoas saibam, lá está, que vou estar independentemente de estar presente ou não. Quando estou e quando amo, amo mesmo e estou cá mesmo.
Como foi a reação do público ao lançamento surpresa do álbum?
Então, já andava a falar sobre o álbum há algum tempo, já desde o camp, do tipo “estou a fazer um álbum”. Na verdade, foi bué rápido. Mas ya, acho que senti mais o impacto da diferença do que da surpresa. Mas foi bué importante para mim ser de surpresa, porque estou farta de dar teasing, a vida é uma seca a dar teasing. Sou aquela pessoa que é tipo “ok já sei que vais lançar, mas lança”. Não digas que vais lançar daqui a três semanas [risos], assim dás-me ansiedade. E para ansiedade já basta a vida. Por isso, queria bué lançar assim.
É giro pensar que com o teu primeiro EP, o jüradamor, fizeste exatamente o contrário. Recordo-me que ias lançando um tema novo a cada semana até ao lançamento oficial.
Sim, sim. Opa, também quis assim agora para ser diferente também. Lá está, vejo sempre as coisas como consumidora. Quando há estas coisas para decidir é bué tipo… ‘bora só lançar. Faz-se tanta coisa e como consumidora quero mesmo é ver. Por isso é que também, como sou muito desligada, gosto é de ir ao YouTube e “ah isto saiu hoje, ‘bora ver”. Fixe. E não “ah, vai sair daqui a um mês, falta bué tempo”. Quase me esqueço [risos]. Depois até já estou tão habituada a ver aquela imagem associado à cena que já nem penso que é uma coisa nova.
No mesmo dia que lançaste sortaminha, estiveste presente nos Prémios PLAY. Embora não tenhas ganho a categoria de Artista Revelação, tiveste a oportunidade de abrir o evento. Tens algo a destacar sobre essa noite?
Foi bué fixe. Imagina, eu não ligo muito a prémios. Na verdade, acho que as pessoas que fazem arte não ligam muito a prémios, porque é bué subjetivo. Tipo, mesmo que sejas tu a ganhar, ou que não sejas tu a ganhar, é bué subjetivo porque somos todos tão diferentes, temos gostos tão diferentes. O que para mim é o melhor disco, para outro pode não ser. Isso vai ser sempre relativo. Claro que é sempre bom existirem, porque celebram o que se faz, obviamente, mas pronto. Maravilhoso foi mesmo ter essa oportunidade de poder partilhar a minha arte nesta gala e fazê-lo daquela maneira. Foi bué especial. Uni-me à Vodafone – foi um convite da parte deles – e levei aquela ligação que já tinha com o telemóvel – como aconteceu com a “milagre”. Levei o Renato Garcia para fazer isto comigo, juntamente com outros bailarinos, e foram todos incríveis. Fizemos aquilo acontecer tipo em dois dias, porque o Renato tinha que ir para a Eurovisão. Queria bué ter a lira, consegui ter a lira, para ligar o coração. Para mim, a minha noite estava ganha assim que saí daquele palco. Diverti-me bué a fazer aquilo. Estava mesmo sem pressão, bué chill. No início, estava com as mãos todas suadas e ainda não tinha tape e pensava só “por favor, não sues, não escorregues” [risos]. Mas assim que começou, tipo esquece, foi bué fixe. Lembro-me de estar a olhar para o Renato e pensar “porra, ‘tou bem, ‘tou a desfrutar” e foi o melhor de tudo, poder desfrutar, e partilhar também um bocadinho do que faço. Outra coisa que sinto que também não se faz muito em Portugal são performances bacanas na televisão e em gigs. Apesar de que agora também em gigs estão a aparecer mais coisas performáticas, o que é bué fixe, e estou mesmo feliz que as pessoas estejam a fazer mais isso, mas mesmo nessas cenas de televisão, os artistas podem fazer mais e eu como venho do circo e da dança, quero cada vez mais poder trazer esse universo pop também, que é à base da dança, da imagem, de coisas a acontecer. É o que eu faço e é fixe.
O que pretendes transmitir às pessoas com a tua música?
Não sei, sabes que não penso nisso-
Pergunto isto porque tu expões-te sem quaisquer filtros, és tu e a tua verdade, e cada vez mais sinto e observo que isso tem um grande impacto em quem te ouve.
Opa, eu tento inspirar e isso é uma certeza. Antes, se calhar, não queria só inspirar, e como dizia muitas vezes, queria dividir a dor e multiplicar o amor. Tipo, já que a minha música existe e já que eu sentia aquela dor toda, que isto sirva para as pessoas saibam que não estão sozinhas, e que vão encontrar uma maneira, e que há beleza na tristeza, e que nós conseguimos mesmo encontrar essa beleza na tristeza. Agora, quero bué inspirá-las a não se deixarem ir para lugares fatelas, como a “voltarpramim”, que foi logo a primeira canção que veio trazer essa mensagem-
Para tu perceberes a dimensão da tua música, eu tenho esse título tatuado no meu braço [risos].
Ai, que linda, mesmo. Perfeita. Opa, a sério, fico maluca. É bué surreal para mim. Às vezes, acho que não penso muito nisso, na forma como posso ou não influenciar as pessoas, porque é grande cena. Não tem como lidar com isso. Tipo, como assim? Sei e sinto que o que faço é bué profundo, é intenso, assim como eu, e sei que tem um peso e essa capacidade de ajudar, de lidar e de inspirar as pessoas, mas depois pensares que o que tu fazes influencia a vida dos outros é insane. Mas quero mesmo poder inspirar as pessoas, não só com a minha música, mas também com o meu processo, com tudo o que sou, com tudo o que faço. O que curtia mesmo de inspirar as pessoas é que elas mergulhassem nelas próprias, se amassem mais e que aprendessem a viver aqui, é o que mais quero. Mas também quero que elas dancem e que não pensem no que fazer. Se estiver a contribuir para que as pessoas tenham uma vida mais fixe e que gostem mais delas, está feito.
Quais são os teus planos futuros após o lançamento de sorteaminha?
Olha, agora vou chillar uma beca. Temos alguns concertos fixes este ano, vai ser fixe este verão, vou estar de novo no NOS Alive, mas desta vez num palco maior – é bué bonito subir escadinhas -, vai ser no WTF Clubbing. Estou muito ansiosa. Rodar este disco ao vivo é bué fixe e diferente. Se no meu gig era para estarmos ali a abanar-nos e a abraçar o coração, agora é mais para estar a celebrar e a dançar. No outro, sentia-o de igual forma, mas estava mais para dentro, mais a partilhar a mensagem. Aqui, estou igualmente a partilhar a mensagem, mas tipo wild, a divertir-me imenso e, por isso, acho que o próximo passo é usufruir deste trabalho que fizemos. Claro que por dentro já estou a pensar no próximo álbum [risos], mas quero deixar este viver um bocado.
Vais levar contigo canções antigas?
Ya. Neste gig, ainda temos algumas. Nós não tocamos o disco inteiro. Há músicas que fazem parte da minha humilde carreira [risos], então não podem não ser cantadas.
JÜRA leva sortaminha ao palco WTF Clubbing do NOS Alive no dia 12 de julho, segundo dia do festival lisboeta. Bilhetes diários ainda disponíveis.
Fotografia de destaque: Joanna Correia