Transformar a dor em arte é um dom que não é para qualquer um. De mãos dadas com a vulnerabilidade, INÊS APENAS deu início a um processo terapêutico aliando uma necessidade de expressão profunda a uma vontade e urgência de criar. Daí nasceu o seu primeiro EP, um dia destes, que celebra amanhã (20) exatamente um ano.

Se a Inês de um dia destes era mais insegura e angustiada, a Inês de Leve(mente), novo EP editado no dia 5 de Maio, assume a pé juntos total leveza, descontração e confiança, quer a nível pessoal como artístico. Neste novo curta-duração, a receita é a seguinte: seis canções marcadas por uma pop com perspectiva autoral e uma combinação de sons que cruzam R&B, reggaeton e drum & bass, nas quais INÊS APENAS se descobre, liberta e reinventa. Caso para dizer que a pop alternativa portuguesa está viva, de boa saúde e recomenda-se.

INÊS APENAS - Leve(mente)
Capa Leve(mente)

Num final de tarde de domingo, com as emoções ainda ao rubro após uma grande noite no Musicbox, a Playback sentou-se à conversa com INÊS APENAS. De sorriso genuíno, a abrilhantar a Jazz Messengers, a artista leiriense falou-nos sobre o antes, o agora e o depois.

O teu novo EP chama-se Leve(mente). Conta-nos sobre o conceito por detrás deste disco e como surgiu.

O EP Leve(mente) surgiu basicamente numa nova fase da minha vida, em que eu me sinto uma Inês muito mais tranquila e solta, com a necessidade de transmitir vibes positivas. Contrariamente ao meu primeiro EP (um dia destes), em que eu estava numa vibe um bocadinho mais introspectiva e pensativa. Este aqui sou eu simplesmente a querer soltar-me de uma forma leve. Logicamente, os parênteses servem para transmitir que a minha mente também está leve. Então, o conceito é mesmo isso: haver uma sonoridade muito mais feliz – é por aí.

Quando começaste a trabalhar nestas canções?

Comecei a trabalhar nas canções antes do Festival da Canção, entre agosto e setembro, acho.

Pouco mais de um ano separa os teus dois registos discográficos. Em um dia destes soas bastante insegura e angustiada. Sentes que esse lado mais frágil ainda está presente em ti? 

Sim, ainda está presente e, aliás, vai estar sempre presente. Em um dia destes eu estava a tentar descobrir-me, porque me sentia um pouco perdida. Foi um EP de reflexão e, até mesmo, de experimentação, dado que eu estava numa fase de incerteza em relação a tudo na minha vida, quer a nível pessoal como profissional. Foi um EP de desabafos e de libertação. Contudo, ainda me estou a descobrir – estou num processo de autoconstrução e desenvolvimento.

Sinto que este Leve(mente) é um “closure final de um dia destes, onde claramente dás-nos a conhecer uma nova faceta tua. De onde apareceu esta Inês leve, descontraída e confiante?

No fundo, eu cresci. Neste ano, eu vi uma Inês diferente, ou seja, houve uma mudança drástica na minha pessoa, na maneira como eu via a vida e na minha perspectiva em relação também aos outros – eu e os outros, os outros e eu. Certamente, neste EP dá para ver que eu sou uma Inês muito mais centrada e alinhada comigo, enquanto que no outro eu estava a tentar-

Descobrir-te a ti própria.

Exatamente. Penso que a Inês deste Leve(mente) apareceu a partir das vivências, como também do término de certos ciclos viciosos onde ela estava. Eu quis terminar com tudo o que fosse menos saudável para mim.

INÊS APENAS
Fotografia: Luís S. Tavares
Fechaste o teu primeiro EP com a faixa que lhe dá nome, onde dizes “Mas cá vou andando/Com espírito leve e ultrapassando/Os dias que passam a meio gás”. Fechas também este novo EP com a canção que carrega o título do disco, onde cantas “Leve levemente deixo tudo para trás”. Sublinhando o termo “leve”, houve aqui alguma ligação propositada?

Não, estás a dar-me uma novidade [risos]. Nem me apercebi disso… Muito bom!

Não deixa de ser interessante, na verdade.

Ya, ya. Juro, não tinha mesmo reparado nisso. Imagina, eu sempre fui uma pessoa leve, tranquila e calma. O problema é que eu estava numa situação que não era a melhor para mim, ou seja, eu não estava bem. Por exemplo, a “Bloqueada” tem tudo do meu pior. Mas, uau, foi uma boa coincidência! Portanto, no meu primeiro EP eu estava triste, mas a tentar deixar andar com as coisas, enquanto que agora eu levemente estou-me a lixar [risos].

Basicamente, o termo “leve” carrega um significado diferente em cada EP.

Sim, é isso mesmo.

O primeiro single desvendado, “Tensa”, tem uma forte índole poética, funcionando como um presságio para um trabalho que é tão pessoal como introspectivo. Julgo que a participação da Carolina Viana (aka Malva) também tenha contribuído para isso.

Contribuiu, sem dúvida. Eu já tinha a melodia da “Tensa” na cabeça há muito tempo. Basicamente mostrei à Carol, desafiei-a e disse-lhe “olha, eu gostava de cantar isto contigo, não sei se alinhas”. Nem me lembro bem, mas acho que, na altura, ela não alinhou logo, embora tenha curtido. Era uma vibe um bocadinho diferente do que eu também costumava fazer. Recordo-me que, a certa altura, começámos as duas a ficar viciadas na melodia do refrão. Depois criámos os nossos versos e juntámos a Joana Rodrigues, que foi a peça essencial para este tema soar desta forma.

Enquanto produtora, ela conseguiu encaixar uma batida altamente relaxante, criando uma dicotomia intrigante entre a temática e a sonoridade.

Isso já foi propositado [risos]. Imagina, eu sou uma pessoa bastante tensa emocional e fisicamente, enquanto que a Carol não. Nós falámos muito sobre isso. No fundo, ela acaba por ser a pessoa que me faz viver mais a vida e balançar ao som das coisas de forma tranquila. Então, na letra acabámos por brincar um bocadinho com isso, ou seja, com o facto de estarmos tensas, com os músculos bué contraídos, mas o ritmo é precisamente o contrário. Foi uma brincadeira que eu quis fazer a nível de songwriting.

Shhinfrim”, a faixa que abre o EP, é aquela canção para quando surgem aqueles sentimentos de uma relação fracassada. Mais do que isso, é uma ode ao empoderamento pessoal com uma dose de humor à mistura.

Exatamente. Eu fiz a “Shhinfrim”, numa tarde, com o NED FLANGER, super tranquilos. Ele só disse “olha, faz aí uns acordes” e eu fiz. Entretanto, a palavra “shhinfrim” surgiu nem sei bem como- 

Tu até fazes um trocadilho no título com o “shh”.

Ya, o “shh” é para mandar calar [risos]. É uma canção mesmo muito pessoal, porque ainda havia resquícios de uma suposta relação e eu só queria mandar calar a pessoa tipo “não me fales mais, não me chateies mais”. Portanto, eu estava a contar isso ao NED, ele disse “bora então compor sobre isso” e assim foi. É uma música que até tem um traço quase que tóxico tipo “vem aqui, cozinha para mim” e depois “vai embora e não me fales mais”. Mas sim, tem bastante humor, fala sobre empoderamento, sobre eu ser livre e fazer o que eu quiser sem ter que dever nada a ninguém. É uma vibe de liberdade pessoal e amorosa. Eu até falo do poliamor, por exemplo, que foi propositado. Por isso é que essa faixa abre o EP, porque fala sobre eu já não estar presa numa situação não saudável, fala sobre eu ser livre. Pode soar um bocado a exagero, mas-

É um fechar de um ciclo.

Sim, um fechar de um ciclo. Aliás, eu começo logo a pés juntos a dizer “eu não me contento com pouco” tipo “já chega, acabou”. Lá está, ainda podes vir aqui, mas depois vai e “não faças shhinfrim”.

Já mencionaste o António Souto (aka NED FLANGER), que trabalhou uma produção imensamente apelativa. Foi o vosso reencontro depois de terem criado a “Batata Frita” com o Tom Maciel para o VOLUME I do coletivo AVALANCHE. O que trouxe ele de novo para esta tua canção a solo?

É uma das pessoas com quem trabalho melhor. Com o NED as sessões são sempre muito fluídas, correm sempre super bem. Imagina, nós conseguimos sair de uma sessão com um som todo feito e foi o que aconteceu com a “Shhinfrim” – só nos faltava basicamente acabar a bridge. O NED é uma pessoa que me percebe bué bem musicalmente, talvez por ter as mesmas bases que eu. Na verdade, acho que a “Shhinfrim” é das músicas mais completas do EP, porque a nível de produção é mega arrojada, bué pop, mas com elementos muito diferentes. Escolhi o NED porque, lá está, ele tem uma certa sensibilidade e eu queria fazer uma cena bué pop com esse beat. Ele foi incrível e ainda gravou as guitarras.

Faz então sentido que seja o único nome que surge em dose dupla no teu disco. O NED não só surge enquanto produtor da “Shinnfrim”, como também da “Ferida”, que é talvez a canção que mais se aproxima de um dia destes, no que diz respeito à sonoridade. 

Sim, sim, sem dúvida.

Soa a mais um desabafo teu.

Totalmente. Aliás, era para ser um interlúdio para uma outra música qualquer, mas acabou por não acontecer – eu gostei tanto dela. Lembro-me de ter mostrado a alguns amigos, inclusive ao NED, e ele disse “amiga, deixa-me só dar aqui uns toquezinhos”. Eu fui bué fiel à minha demo, que era só piano e voz. Na verdade, a track de piano que está na “Ferida” foi a primeira que eu gravei no meu quarto, eu nem sequer mudei. No entanto, o NED também foi super fiel, pegou naquilo e abrilhantou a música, mas ainda assim nós quisemos deixar a cena o mais crua possível. O NED é mesmo ótimo, tal como o Miguel Garcia (aka miguele) que gravou os pormenores.

Em “Leve(mente)”, a faixa que dá nome ao EP, chamaste o António Graça (aka LEFT.) para mostrar os seus dotes enquanto intérprete e produtor. Esta canção, recheada de ritmos upbeat, basicamente sumariza toda a abordagem temática do disco.

Sim. No fundo, é a canção mais forte, tem um certo poder-

É um banger.

É isso mesmo [risos]. Mas ya, o meu verso é super direto, tal como o do LEFT., mas acho que conseguimos juntar tudo bué bem. Isto acontece porque sinto que nós conseguimos unir-nos na forma como escrevemos e fazemos melodias. Ele sempre foi uma grande inspiração para mim e ele também diz o mesmo de mim, acho eu [risos]. Para além disso, ele também foi a primeira pessoa que produziu uma música minha, então não fazia sentido ele não estar presente neste EP. Eu também queria trabalhar com o LEFT. de forma a que ele entrasse numa faixa minha a cantar e assim aconteceu, desta vez.

Pois, o LEFT. também apareceu enquanto produtor no teu primeiro EP.

O LEFT. produziu precisamente o primeiro single que eu lancei (“Tu Fazes Tão”). Sinceramente, eu não sei como é que ele aceitou fazer aquilo, porque estava mesmo bué all over the place. Era uma música mesmo difícil musicalmente, mas ele conseguiu dar ali um toque super fixe. Quanto à “Leve(mente)”, ele até me agradeceu tipo “Inês, fizeste-me recordar as minhas primeiras produções, obrigada”. Isto porque as primeiras coisas que o LEFT. produziu eram drum & bass e então com a “Leve(mente)” ele acabou por reviver esses momentos. É mesmo um som p’ra frente, tem um BPM um bocadinho acelerado e eu achei que ele era a pessoa indicada para isto – e ficou incrível, adorei o resultado final.

“La Nena” com a SOLUNA é possivelmente a maior surpresa deste disco. Como nasceu esta canção em formato reggaeton e esta colaboração?

Olha, eu sou super fã da SOLUNA e, por acaso, sei muito bem onde esta colaboração surgiu. Ela convidou-me para a acompanhar numa sessão acústica para a MTV Push ao piano. Basicamente ela virou-se para mim e disse “olha, queria mesmo bué que tocasses piano, mas vê lá se há algum stress para ti por seres artista e estares a tocar para mim e assim” e eu respondi logo “eu quero bué fazer isso”. Portanto, gravámos a sessão para a MTV e eu depois fiquei a dormir em casa dela. Começámos a falar, a desabafar sobre experiências e cenas da vida e, de repente, ela disse “opa bora fazer um som just for fun”. Era mesmo pura brincadeira, nem sequer sabia que ia dar nisto. Então começámos a criar um universo nosso – lembro-me de vermos bué videoclipes e de ouvirmos bué músicas de pessoas que ambas gostamos. De repente, ela traz-me um piano e diz “olha, faz aí uns acordes que não sejam previsíveis, mas bora fazer um reggaeton” e eu “ok, bora” [risos]. Na verdade, eu já queria bué explorar essa sonoridade e ya a certa altura começámos a sentir “ok, isto está a fazer sentido”. Entretanto, cheguei a casa, fiz o meu verso, partilhei com ela e disse “olha, eu acho que curto disto, vê lá se curtes” e ela “opa bora fazer isto acontecer”. A SOLUNA pegou-

A SOLUNA produziu este som.

Ya, ela teve grande impacto em como a música ficou. Eu tratei mais da parte harmónica, relacionada com o piano. Do EP todo, os meus versos preferidos são provavelmente os da “La Nena” [risos], porque faço o primeiro shoutout a mim própria – sempre quis dizer o meu nome e pensei “é nesta faixa” e fiz isso [risos]. Quanto à harmonia é mais R&B, ou seja, não é muito previsível, mas com um beat reggaeton e eu acho que ficou uma junção bué fixe e bonita. Penso que também não desvirtuou a SOLUNA, até porque, se calhar, dá mais alusão à cena dela, mas a parte do meu verso acho que encaixou na perfeição.

É um tema de óbvio cariz sensual, com versos diretos ao ponto e uma dose extra de flirt. Diga-se que é de conteúdo explícito – sinto que este tipo de abordagem é quase que inédita no mundo da música portuguesa. 

Claramente, são duas mulheres a escrever para nenas diferentes. Portanto, já temos aí uma grande diferença, porque normalmente tens homens a escrever para uma mulher. No fundo, cada verso é uma história diferente. Nós quisemos transportar isso para a mesma ideia e estávamos também a tentar ficar no mesmo ambiente musical. Eu tenho um verso que a SOLUNA diz que é um bocado mais sweet, mas ao mesmo tempo estou no ponto. Ela já roça mais a cena direta. Mas acho que é isso, é uma coisa diferente e inovadora, que não se vê muito em Portugal. Era um bocado isso que nós queríamos fazer também.

Este EP inclui ainda “Fim do Mundo”, o tema escolhido entre mais de 650 candidaturas públicas da livre submissão que te levou à final do Festival da Canção. Sendo que o escreveste propositadamente para o Festival, como afirmaste na entrevista que deste para o Curto Circuito, porquê integrá-lo no alinhamento deste projeto?

Por acaso, é uma boa questão, nunca ninguém me abordou dessa forma. Olha, porque fazia sentido, acho. Isto porque a “Fim do Mundo” acaba também por ser uma canção leve, apesar de ter vários momentos e contrastes, tem todo um drop de piano que mostra uma Inês mais solta. Para além disso, sempre pensei que incorporar a “Fim do Mundo” a seguir à “Ferida” seria uma boa junção.

O refrão não é um refrão propriamente dito normal, dado que é simplesmente um instrumental ao piano. Como é que achaste que aquilo fazia sentido ali?

Ya, ya, não é um refrão cantado. Olha, eu acho que sou uma pessoa que vai bué por feelings. Eu quando fiz a “Fim do Mundo” sabia perfeitamente que não havia um refrão, não havia propriamente nada que as pessoas pudessem cantar, a não ser a melodia. Para o Festival, eu sabia que queria levar o piano comigo, mas ao mesmo tempo não queria fazer uma balada. Recordo-me que foi esse o meu processo criativo. No entanto, eu queria ter o piano com força e é bué raro isso acontecer, porque normalmente o piano é um mero acompanhamento. Mas, lá está, eu queria que houvesse uma explosão e que o piano tivesse o devido valor. Aliás, eu repito isso três vezes, porque eu gostei tanto da cena que achei que poderia bombar. Obviamente que a parte da produção do Choro fez toda a diferença também.

O Miguel Laureano (aka Choro) teve um papel crucial nos contrastes sonoros.

Crucial mesmo. Eu fui super chata com ele, mesmo bué. Na verdade, acho que foi a música que eu mais tinha a certeza como é que eu queria que soasse. Fui super perfeccionista. Aliás, eu sou uma pessoa perfeccionista, mas eu nunca tinha sido assim com uma música. Foi com a “Fim do Mundo” que eu disse “isto tem que ser exatamente desta forma, com este ritmo, etc”.

Tinhas tudo pensado, portanto.

Ya, com esta sim, tinha tudo na cabeça e não costuma ser assim, por isso é que eu acreditei tanto na canção.

Parece-me ser a canção mais especial deste disco para ti.

Podes crer, ya.

Na entrevista que deste para a Antena 1, mencionaste que o Festival da Canção foi uma “boa montra” para ti. Sentes que a tua passagem por lá faz com que, de certa forma, este teu novo projeto chegue a um maior número de pessoas?

Sim, sem dúvida. Vi logo diferenças desde que anunciaram que eu estava no Festival da Canção, ou seja, ainda nem tinha saído a música. Mas quando saiu foi um boom de mensagens de pessoal que queria saber mais sobre o projeto e as outras músicas também. Claro que focou-se maioritariamente na “Fim do Mundo”, mas foi super marcante a passagem pelo Festival. Eu acho que nunca vou ter nada assim na minha vida, porque foi um reconhecimento que sempre quis ter. Podia não ter corrido propriamente bem, mas acabou por marcar este ano, na verdade. Claro que tens pessoas que gostam, outras que não gostam, mas é assim e vai ser sempre assim. Mas ya foi tudo marcante, tanto a canção e a atuação em si, como também a atitude do pessoal que é independente. Sinto que foi uma vitória para a música e para os artistas independentes, tanto é que a Mimicat ganhou e várias canções foram de submissão livre.

A tua passagem pelo Festival da Canção também ficou marcada por um protesto teu em resposta à redução da quota mínima de música portuguesa aplicada às rádios nacionais-

Que deu resultado [risos].

Exatamente, porque recentemente foi aprovada uma nova subida, voltando aos 30%. Como te sentes por, de certa forma, teres contribuído para esta mudança?

Imagina, eu achei uma falta de respeito o que aconteceu, ainda por cima o Festival da Canção já estava a decorrer quando surgiu a notícia. Mesmo sabendo que poderia estar a correr riscos, eu não consegui conter-me. Senti que era mesmo importante para mim fazer alguma coisa, ainda para mais enquanto submissão livre. Contudo, sinto que não falei só por mim, mas por toda a gente. De facto, penso que pode ter influenciado, porque aconteceu em direto na televisão e em horário nobre. Mas depois houve toda uma união entre os artistas, inclusive artistas que já estão super bem na vida, acabando por dar muito mais impacto ao movimento. Valeu a pena, aparentemente. Os 30% eram o mínimo, por isso é que eu pus “nem 30%”, embora nem toda a gente tenha percebido logo.

INÊS APENAS no Musicbox, em Lisboa.
INÊS APENAS no Musicbox, em Lisboa. Fotografia: Rita Seixas
Quanto à sonoridade, este EP acaba por se revelar imensamente eclético, remetendo para diferentes estilos e fusões musicais. Aliás, juntares-te a artistas com percursos tão diferentes entre si certamente contribuiu para isso. Sempre foi a tua intenção adotar esta versatilidade?

Quando ouço um projeto, eu sei que normalmente tem que existir uma coerência e consistência e eu acho que este EP tem isso, quer a nível de sonoridade, como vibes e mood. Isto porque as músicas são todas muito diferentes, mas transmitem um conceito muito semelhante. Mas ya eu faço mesmo questão de trabalhar com pessoas diferentes e fazer colaborações diferentes. Sempre que eu puder, eu faço isso, porque eu gosto que o factor inesperado esteja presente em força. Na verdade, é o que me dá mais pica. Eu gosto bué de fazer fusões de coisas e isso também se nota no primeiro EP, aliás. Basicamente eu sou tanta coisa, gosto de tantos estilos e pessoas diferentes, tanto a Malva, como a SOLUNA, como o LEFT. e acho que o mais divertido disto tudo foi precisamente ter conseguido juntar o contributo de cada um e fazer uma malha diferente. Claro está, sempre sem sair de um tema de EP.

Suponho que o que ouves também tenha influenciado toda esta sonoridade. Na entrevista que li tua para o Rimas e Batidas disseste que ouves uma “fusão de várias coisas”. Consegues listar as tuas maiores influências musicais?

Ai, eu digo sempre bué nomes [risos], mas ya. Olha, MARO é uma grande referência para mim. Consigo também dizer Carolina Deslandes, a certo ponto. Depois ouço muito Drake, Doja Cat, Ariana Grande, Lizzo e Lizzy McAlpine, por exemplo. Eu ouço muito pop, isso é garantido. Ai, Rosalía também, essa é importantíssima. Ouço também bué música portuguesa de agora, estou sempre bué atualizada, na verdade [risos]. Bárbara Bandeira, EU.CLIDES, Plutónio, etc.

Ainda assim, a pop manifesta-se como base principal deste disco. O que pretendes trazer de inovador para a pop portuguesa? Como achas que te podes destacar?

Ai [risos], o que eu quero trazer é uma nova linha de songwriting e de melodias. Refiro-me a arriscar mais coisas, ou seja, se calhar não fazer só músicas à voz e guitarra. Basicamente é não ter medo de arriscar numa pop mais fluída. Para mim, a palavra “arriscar” é bué necessária. Imagina, na pop internacional não vês ali uma única barreira no que eles querem dizer. Muito pelo contrário, eles dizem o que querem e acabou. Em Portugal é um bocado diferente, porque tens a pop que, ao mesmo tempo, também é rap e hip-hop, é tudo muito diferente. Eu quero tentar que seja tudo musicalmente rico, ou seja, que seja catchy e que tenha umas surpresas musicais. É por aí, ya. 

INÊS APENAS no Musicbox
Fotografia: Rita Seixas
Como funcionou todo o processo criativo deste EP?

Eu não pus mesmo limites nenhuns, tanto é que fiz um reggaeton. Eu acho que quis simplesmente libertar-me e soltar-me o máximo possível, ou seja, basicamente fazer o que eu tinha receio de fazer há um ano atrás, por exemplo. Imagina, sempre que eu tinha algum dilema tipo “escrevo sobre isto, digo esta palavra aqui ou faço esta melodia?”, na dúvida eu fazia sempre. Nunca era “porquê?”, era antes “porque não?” [risos]. Isto literalmente foi o meu processo criativo. Para além disso, o que acontecia era ouvir o beat constantemente, sempre a escrever e a improvisar, punha o gravador do telemóvel e improvisava melodias. Diverti-me mesmo bué e, por isso, é que eu acho que saiu tudo bué mais solto. Eu antes não estava muito fixe, não estava divertida, de todo [risos].

Desta vez, acrescentaste às composições uma forte componente imagética, através de visualizers para cada uma das novas músicas. Qual a intenção por detrás desta ideia?

Como era um EP bastante pop, eu achei que uma cena estética mais clean, ou seja, com uma imagem e cor forte, poderia ajudar a malta a entrar num universo enquanto ouvem as músicas. Claro está, por uma questão de promoção também. Mas ya esteticamente agradou-me, porque pensei “está aqui tudo, não há dúvidas – isto é a colaboração com a Malva, isto é com a SOLUNA, isto é com o LEFT., isto é a cor que eu imagino para esta música, etc”. Por acaso, durante o meu processo criativo, eu própria já estava a imaginar todo um cenário muito mais directo e até um pouco tranquilo. Visualmente eu queria que fosse uma cena objetiva, é isso.

Como tem sido recebido este Leve(mente)?

Olha, tem tido bué streams [risos]. Sinto que as pessoas têm reagido bastante bem e que algumas canções foram uma surpresa para muita gente, mas pela positiva. Disseram-me que se notava uma diferença e uma maturidade e que eu estava com mais força na voz – tanto a conseguir dizer o que eu queria dizer, como a cantar. Por acaso, eu acho que é bué giro, porque não há unanimidade tipo “aquela é a tua melhor música”, cada um gosta de uma música diferente. O feedback tem sido mesmo bastante positivo.

Pelo meio, escreveste a letra para “Vou Tirar um Break” da Aurea. Que diferença encontras quando escreves para ti e quando escreves para outros?

Na verdade, ainda é um processo complicado para mim. Eu tento dissociar-me da minha pessoa, ou seja, a partir do momento em que eu estou a escrever para outra pessoa, tenho que pensar na outra pessoa. Quando não a conheces muito bem, tens que falar e tentar ao máximo conseguir perceber qual é a vibe que ela quer transmitir, se se sente confortável em dizer uma certa palavra, é por aí. Por exemplo, com a Aurea, lembro-me de escrever uma palavra e ela não se sentir confortável em dizê-la. Mas ya acho que é quase impossível eu não levar um cunho meu. Aliás, nessa música é bastante visível [risos]. Mas respondendo à tua pergunta, quando eu escrevo para mim é sempre bué mais pessoal-

E muito mais natural.

Ya ya e muito mais fácil também, enquanto escrever para os outros é muito difícil, pelo menos para mim.

INÊS APENAS
Fotografia: Rita Seixas
Durante o processo criativo, alguma vez sentiste medo de falhar ou de não corresponder a expectativas?

Sim. Aliás, eu acho que tive um contacto maior com essa cena no Festival da Canção, porque eu tinha ali uma grande pressão. Eu achei que podia falhar e, se calhar, até falhei mesmo nalguma coisa, mas faz parte, não é? Nós temos que saber lidar com isso. Nós só vivemos uma vez. Nós vamos sempre falhar, mas temos que ser felizes a falhar. Eu sou muito feliz a tentar. Na verdade, eu acho que isso é o que me descreve mais.

Desde o teu EP de estreia que sinto que a música serve como terapia para ti e, aliás, continuo a sentir com este Leve(mente). Concordas?

Concordo, sem dúvida. Se não fosse a música, a minha vida seria uma tristeza. Na verdade, eu acho que a arte, no geral, consegue salvar muita depressãozinha que possas ter. Imagina, a música leva-te para um sítio bom. Apesar de haver músicas mais down, tu consegues sempre retirar alguma coisa de bom que te possa ajudar e, sem dúvida, que a música é uma terapia importantíssima, para além da outra terapia que tens que ter, claro. Para mim, a música sempre foi o meu braço direito e eu acho sinceramente que não há ninguém que viva sem música. Se há alguém que não ouça música diariamente alguma coisa não está bem [risos].

Tocaste este sábado [13 de Maio] no Musicbox. Como correu?

Ai, foi incrível. Eu acho que a energia estava super para cima, super fixe, houve muita dinâmica e o público ajudou imenso – comovido, emotivo, ao rubro, tudo. Foi um momento de partilha e eu senti que a malta estava a viver as canções uma a uma, tal como eu. Foi bué fixe partilhar o novo EP, notou-se que as pessoas estavam a vibrar bué com ele.

O que há mais no futuro para a INÊS APENAS?

Ai, eu não sei [risos]. Olha, em primeiro, vou dar um concerto na Feira de Leiria, no dia 22 de Maio, com banda e com convidados especiais, no palco principal. Desta vez, só a Malva e a SOLUNA. Portanto, vou estar a jogar em casa, estou mesmo muito feliz. O que vem depois? Estou a preparar novos sons, com algumas colaborações pelo meio e assim. Mas, acima de tudo, acho que este EP tem que respirar durante mais um tempo. Aliás, também eu tenho que respirar, porque fiz isto com bué cenas a acontecer, inclusive o Festival. Portanto, agora é deixar este EP soar e ressoar.

Fotografia de destaque: Luís S. Tavares

Nascida e criada em Aveiro, mas com a Covilhã sempre no coração, cidade que a acolheu durante os seus estudos superiores. Já passou pelo Gerador, e pelo Espalha-Factos, onde se tornou coautora da rubrica À Escuta. Uma melómana sem conserto, sempre com auscultadores nos ouvidos e a tentar ser jornalista.
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