Deixem-se ficar confortáveis e mergulhem no universo criativo e multifacetado de Clauthewitch, um grupo composto por Cláudia Noite, Nico Eon e Diogo Lourenço. O primeiro EP, Begonia, não é apenas uma experiência sonora, mas também uma narrativa profundamente cinematográfica e sensorial. Em tons roxos e verdes, Clauthewitch pinta a história da personagem Begonia, uma humana transformada em ninfa, assombrada pelas emoções de abandono, solidão e carência. 

A banda sonora que acompanha esta narrativa é um revivalismo contemporâneo do shoegaze dos anos 90, enriquecido pelos frescos arranjos de sintetizadores e efeitos digitais, que criam uma atmosfera densa e envolta na “névoa” sonora característica do género. 

Begonia é o resultado da fusão das influências visuais e sonoras de Cláudia e Nico Eon (que juntos formam o duo Proxy Fae) com a formação musical versátil e meticulosa de Diogo Lourenço. Cada detalhe deste EP é cuidadosamente pensado e deve ser ouvido com atenção. Cada som, arranjo e efeito são peças essenciais na construção de uma atmosfera mística e de uma narrativa tão cativante quanto introspectiva. 

A Playback falou com Cláudia e os restantes elementos de Clauthewitch para entender o universo de Begonia e perceber a história destes primeiros passos do projeto.

Capa Begonia
Capa Begonia
Quem é ou quem são os Clauthewitch?

[Cláudia Noite] O nosso projeto começou com uma personagem que escrevi e todas as músicas estão à sua volta. No entanto, somos três pessoas numa banda: eu, o Nico Eon e o Diogo Lourenço. 

[Nico Eon] Tudo começou com a Cláudia e depois desenvolvemos o resto. Somos três elementos na banda, apesar de termos outros músicos connosco em palco.

Qual é a diferença entre a Cláudia Noite e a Clauthewitch? O projeto funciona como uma extensão da Cláudia?

[Cláudia] Cláudia Noite é o nome que uso como artista em várias áreas. Ou seja, é o nome que assino quando faço curtas, pintura ou fotografia. Clauthewitch é o nome que eu uso quando estou a compor.

Além de Clauthewitch, és também vocalista do projeto Proxy Fae que partilhas com o Nico.

[Cláudia] Tudo isso antes estava tudo ligado ao universo de Clauthewitch, de onde saíram ramificações como Proxy Fae, que é um projeto mais próximo da eletrónica ou do hyperpop.

[Nico] Acho que é uma questão de coerência de géneros, não é? Inicialmente, algumas canções de Proxy Fae eram para Clauthewitch, mas entretanto surgiu Proxy Fae para trabalharmos essas canções. 

[Diogo Lourenço] Não fazia sentido para mim trabalhar esses temas mais eletrónicos. Tudo isto surgiu deles os dois, que fizeram as músicas, e como os conheço há anos, pediram-me: “Olha, fizemos estas canções e achamos que seria fixe ouvires e dar-lhes um toque”. Mas o hyperpop é um estilo em que eu não acrescento nada. Então, foi bom que essas ramificações acontecessem. Até porque a formação ia ser bastante diferente. Essas músicas que passaram a ser de Proxy Fae não precisavam de banda. E Clauthewitch é uma banda. 

[Cláudia] Acho que as ramificações também foram importantes para nos separarmos mentalmente do que podíamos tocar ao vivo enquanto banda.

Isso significa que foram compostas canções para além das que estão no Begonia?

[Cláudia] Sim. Durante a pandemia, escrevi nove personagens. Dessas nove, fiz seis letras para cada personagem, e depois a partir daí começámos a criar as músicas. Quando mostrámos ao Diogo as coisas, já tínhamos material suficiente para fazer dois EPs.

[Nico] Claro que aquilo que mostramos ao Diogo ainda eram versões muito cruas. 

[Cláudia] A partir do momento em que começámos a polir as músicas, sentimos a necessidade de separar o que era para um projeto ou para outro.

[Nico] Foi nessa altura que tivemos o nosso primeiro contacto com a gravação de som. Fizemos tudo em casa, de forma independente.

[Cláudia] E o projeto era megalómano. Tudo começou com nove personagens, cada uma com uma história e narrativa diferentes. E cada uma tinha um EP associado.

[Nico] E com atmosferas diferentes. O Begonia é um desses EPs, baseado numa dessas personagens, e foi nela que decidimos focar-nos. Como não tínhamos qualquer experiência prévia sobre gravar em estúdio e finalizar as músicas, foi aí que o Diogo entrou em ação.

Como uma espécie de consultor?

[Diogo] Acho que no início eles só queriam uma opinião. Mas como me envolvo muito rapidamente com as coisas e de forma muito intensa, comecei a trabalhar com eles.

[Nico] Quando apresentamos o projeto ao Diogo, jamais pensei que ele quisesse estar envolvido nisto.

Quando mencionaram que cada personagem tinha uma atmosfera sonora diferente, tiveram receio de fugir um pouco à sonoridade inicial do primeiro projeto?

[Cláudia] Perdi muito tempo a pensar nisso quando fiz a separação. Mas, por exemplo, os Radiohead têm uma sonoridade diferente em cada álbum. Ou seja, todas as personagens que escolhi para trabalhar em Clauthewitch vão ter sempre uma ligação e uma estética em comum, apesar dos caminhos diferentes que irão seguir. A mesma coisa para Proxy Fae.

Claúdia, o Begonia surgiu a partir de uma coletânea de canções que escreveste durante a pandemia. Sentes que, se não estivesses em quarentena, terias na mesma composto essas canções?

[Cláudia] Acho que faria o mesmo, sinceramente. Foi preciso estudar cinema para perceber o que me interessava na música. Ou seja, andei no conservatório durante muitos anos, mas era muito insegura em relação ao que queria ser, porque sentia que o que me interessava não era tornar-me a maior guitarrista do mundo. Quando fui estudar cinema, apercebi-me de que o meu amor pelas duas coisas vinha do mesmo sítio: o desejo de sentir outras experiências através do som e da imagem, de viver outras histórias e de conseguir replicar emoções. Descobri que gosto muito de cinema, mas que não me dá tanto prazer produzi-lo, mas sim consumi-lo. Enquanto na música, dá-me mais prazer produzi-la.

Como decorreu o processo de contar estas histórias através da música?

[Diogo] Foi um pouco complicado. Serei 100% honesto: não me baseei na história. Acho que as músicas falam por si, mas, para mim, era mais fácil fazer a música a pensar no que é que ela pedia e no que é que a Cláudia poderia fazer com aquela música. Eu conheço a Cláudia, mas não conheço a Begonia. Senti que muitas vezes até me poderia atrapalhar conhecer a história da Begonia porque foi um pouco overwhelming no início. A Cláudia disse-me que queria trabalhar comigo e, de repente, apresentou-me nove personagens, e eu fiquei chocado. 

[Nico] Acho que vale a pena realçar que a Cláudia fez um PowerPoint com imensos slides para a descrição da narrativa, cenas estéticas, cores, fatos…

[Cláudia] Recentemente, estive a trabalhar com uns alunos da Lusófona para fazer o videoclipe da primeira música, a “Begonia’s Theme”. Eles enviaram-me uma mensagem a perguntar se tinha algumas ideias e eu enviei um PowerPoint com não sei quantos slides que já fiz há quase dois anos. [Risos]

[Nico Eon] Mas acho que esses powerpoints e essas referências, tanto visuais como estéticas, me ajudaram a criar a sonoridade do EP. Portanto, não havia muita maneira de fugirmos completamente desse universo. Claro que, depois, começámos a introduzir pequenos detalhes que podem remeter para outra sonoridade. Acho que tanto eu como o Diogo bebemos um pouco dessa inspiração. 

[Diogo] Mas isto também é interessante porque a Cláudia tem claramente uma visão mais macro do projeto. 

[Nico] E depois apareces tu com uma visão mais pragmática.

Fotografia: João Nunes
Fotografia: João Nunes
Houve algum choque com as composições que não correspondiam ao universo criado pela Cláudia?

[Cláudia] Acho que sim, mas não foi um grande choque. Ou seja, em qualquer projeto que estás envolvido, vais afinando. Não teve tanto a ver com as diferenças entre a estética da personagem e a musicalidade. 

[Diogo] Acho que tu estavas num processo. Ela é muito tímida e como nós já somos muito amigos dela, tinha medo de a obrigar a tentar dizer se curtia ou não. 

[Nico] Mas arriscava a dizer que a última música, a “Child’s Eyes”, foi aquela que senti que exigiu um pouco mais de cuidado para não fugir ao universo.

[Diogo] Mas o universo foi várias coisas e isso é uma coisa gira. Porque o universo tanto é uma história ou uma imagem como um som, uma técnica de arranjo, ou vozes que estão arranjadas.

A begónia é uma espécie de planta que é bastante conhecida pelas suas folhas super coloridas e com padrões diversos. Porque é que utilizaram esta planta como a identidade do disco?

[Cláudia] Quando fiz as personagens, decidi que todas elas seriam plantas diferentes. Fui ver as cores das plantas e os seus significados, e a partir daí moldei a parte psicológica de cada personagem e comecei a escrever as suas histórias.

Quem é a Begonia? E qual é a sua história?

[Cláudia] A Begonia era uma humana que tinha muitos problemas com os outros. Entretanto, conheceu finalmente alguém de que gostava e decidiram isolar-se numa floresta. As coisas correram mal entre os dois e, sem querer, o rapaz morreu. Ela preferiu ficar sozinha durante muitos anos na floresta até que deixou de ser humana e passou a ser uma espécie de ninfa, com ódio pelos humanos. Sempre que alguém entrava na floresta, ela movia as árvores e as plantas do lugar e a pessoa perdia-se e morria. Em todas as músicas, tentei sempre criar uma atmosfera assombrada, de alguém muito carente e dependente, mas ao mesmo tempo perdido no tempo e no espaço.

Olhando para a sonoridade do vosso disco, e sendo o shoegaze um estilo pouco explorado em Portugal, a decisão de produzir um álbum deste género foi consciente ou foi algo que aconteceu ao longo do processo?

[Diogo] Acho que o shoegaze surgiu a partir do que estávamos a procurar. Ou seja, não houve nenhuma fase deste projeto em que pensássemos que queríamos ter um projeto de shoegaze. Agora, penso que houve músicas em que claramente a direção que queríamos seguir tinha de beber um pouco do shoegaze e tínhamos referências. Nunca fomos grandes adeptos do shoegaze, mas acho que foi um elo que nos ligou. Uma coisa que me ajudou muito foi pensar em Cocteau Twins e na Elizabeth Fraser. Sabia que eram coisas de que a Cláudia gostava e de que também gosto muito. À medida que fui trabalhando mais com eles, fui descobrindo outras referências. As referências que me mostraram para o EP são completamente diferentes das que eu estava a pensar. No entanto, o shoegaze foi a única que ficou. 

[Nico] E a partir do momento em que nós percebemos que estava a ir na direção do shoegaze, assumimos e foi algo que nos deu prazer.

Qual foi a faixa mais difícil de trabalhar?

[Diogo] Provavelmente não vai ser consensual. Eu tenho a minha na ponta da língua.

[Cláudia] Qual é a tua? 

[Diogo] A “How to Behave”. 

[Cláudia] Para mim também. Não estava muito satisfeita com os primeiros arranjos. 

[Diogo] Sim, vocês tinham uma demo, mas mandámos tudo fora. Fiz uns 13 arranjos e odiei todos. Deixei só a voz da Cláudia e fizemos de novo até chegarmos à versão final, que é a minha favorita.

[Nico] Cada uma teve os seus desafios diferentes. Umas pela questão dos arranjos, outras pelo som ou pelas técnicas de gravação. A nível técnico, a “Child’s Eyes” foi a mais difícil.

Mas a “How to Behave” é uma música complexa pelas suas três partes diferentes. Quando a desmancharam, pensaram em fazê-la dessa forma?

[Diogo] Pensei nisso. Essa faixa acabou por ficar um pouco como um elemento fora do padrão.Já tínhamos uma estrutura AB (verso, refrão) na primeira música, tínhamos a música progressiva com a “Child Eyes”, tínhamos a “NANA” que tem uma estrutura AB AB A, e tínhamos a “Mona”, que também acaba por ter a mesma estrutura. O que eu queria fazer era um arranjo que contasse uma história. Claro que tens um verso, um refrão, mas depois tens uma grande bridge, onde viajas um pouco, depois tens uma segunda bridge e só depois é que voltas àquela coisa de uma maneira super suave [risos]. A narrativa tinha de ser contínua e não tão segmentada.

Além do nome e de alguns pormenores das letras na “Begonia’s Theme”, o videoclipe da “How to Behave” confirma que este é um disco muito próximo da natureza. Qual é a vossa relação com ela?

[Cláudia] Quando estava a escrever estas músicas, estávamos numa quintinha. Estava a ver Twin Peaks e a ver imensos webfilmes de dark fantasy dos anos 80. 

[Nico] Quinta do meu avô. Vale a pena reforçar [risos].

Fizeram o típico retiro criativo numa cabana no meio do nada.

[Nico] Por acaso, foi. Também não havia mais nada para fazer lá [risos] Aliás, nessa altura, comprei um microfone e um tripé, mas não fazia ideia do que era a compressão e como é que havia de gravar. Começámos a gravar no Logic, mas também não tínhamos muita perspetiva. Não sabíamos o que íamos fazer com aquilo.

Qual o peso que a natureza tem neste disco?

[Nico] O EP tem vários efeitos digitais e acho que houve uma preocupação em tentar aproximar o som digital do som orgânico. 

[Diogo] Sim. Queríamos dar um toque moderno ao som, mas que não se distanciasse demasiado daquilo que entendemos ser o shoegaze. 

[Cláudia] Lembro-me de quando estávamos a fazer “How to Behave” e o Diogo perguntava se eu gostava do efeito que ele estava a dar à canção e eu dizia: “Não parece uma névoa na floresta”.

O que é que surge primeiro no processo de composição? São as referências audiovisuais ou musicais da Cláudia?

[Cláudia] Primeiro vem a música. Normalmente, estou a ouvir uma música de que gosto e a imaginar coisas visuais. Depois, pego nessas imagens e crio outra coisa.

Acredito que a faixa “NANA” esteja relacionada com o mangá e anime com o mesmo nome porque me lembra a relação platónica das personagens principais. Encontravas-te numa situação semelhante quando escreveste a canção?

[Cláudia] Só comecei a ver o anime depois de já ter escrito a letra para a “NANA”. Liguei a uma amiga a perguntar se andava a ver o anime porque a nossa relação era muito parecida à das relações principais. Por isso mesmo, quis oferecer essa música à minha amiga e limei a letra de forma a ficar mais parecida ao anime, digamos assim. 

[Nico] É a mesma amiga que fez a capa do single “NANA”.

Fotografia: João Nunes
Fotografia: João Nunes
Além da “NANA” também vejo imensas referências à cultura japonesa na “Child’s Eyes”. Tem ali toques que lembram o math rock japonês.

[Cláudia] Isso é mesmo engraçado porque eu cheguei ao pé deles depois de ter visto o anime de terror do Junji Ito [Junji Ito Collection] e disse-lhes que queria fazer algo semelhante ao início desse anime.

Como é que um universo pensado e com uma personagem específica como é a Begonia será apresentado em palco?

[Cláudia] Neste último ano, estive a fazer compras em lojas de artigos em segunda mão e já tenho seis conjuntos de roupa diferentes. Só temos dois concertos marcados até agora, mas para os próximos também já tenho roupa. Devo cantar com uma peruca branca para me parecer mais com a personagem e os vestidos serão sempre verdes e brancos.

[Diogo] Aproveito para dizer quem teremos connosco nos nossos concertos: Pedro Almeida na bateria, conhecido por tocar com 500 mil projetos diferentes, e João Figueiras no baixo.

Begonia é apresentado ao vivo a 17 de janeiro, no Passos Manuel, no Porto, e a 24 de janeiro, nas Damas, em Lisboa.

Fotografia de destaque: João Nunes

Matilde Inês é uma pessoa que se emociona com os pequenos pormenores. É mais provável ouvimo-la a cantar as back vocals ou solos de guitarra, do que a letra principal. Recém licenciada em Ciências da Comunicação e que, atualmente, trabalha como radialista e jornalista na Rádio Voz de Alenquer. De vez em quando, escreve aqui e ali sobre música.
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