Quem me conhece sabe que dificilmente eu não saberei o que fazer numa sexta e/ou sábado, sendo que o que vou fazer será, 99% das vezes, assistir a um concerto. Tenho uma lista de todos os hot spots de concertos e páginas de Instagram de divulgação dos mesmos para escolher o que ver no meus dias de descanso após uma semana de “trabalho universitário”. O penúltimo fim de semana do mês de Setembro não foi diferente e tomei parte num evento chamado Noite Bruta num dos meus locais favoritos do país, o Ferro Bar, no Porto.
Este local, cuja trademark é a sua sala de concertos que se assemelha a um bunker e ainda uma varanda épica com DJ sets durante a tarde, é um dos sítios onde mais se vive o ambiente musical underground. É frequentado recreativamente por todo o tipo de pessoas, desde jovens rockeiros, velhos rockeiros, turistas, gente de aparência um pouco dúbia, mas acima de tudo, gente que gosta de beber um bom copo e curtir boa música.
A agenda para a noite bruta de 21 de setembro contava com dois DJ sets e dois concertos, os Pledge e os Krypto. Confesso que o motor de decisão para me deslocar de Braga até ao Porto foram os Krypto, banda que já tinha visto uma vez, em Dezembro de 2023, exatamente no mesmo espaço. No entanto, esta atuação não me tinha satisfeito completamente. Era necessário vê-los novamente.
Começamos então a noite por volta das 21 horas com um DJ set de Luca no terraço, onde sinto logo um aquecimento do ambiente. Além de gostar do Ferro Bar pelos concertos, gosto muito do seu espaço de convívio que, embora não seja muito pequeno, possui uma disposição de mesas que confere um ambiente de partilha, sendo praticamente impossível conversas com pessoas desconhecidas não se cruzarem. Dito e feito: passados 15 minutos de estar sentado, dois jovens franceses metem conversa comigo e com a minha companheira e ficamos a falar sobre assuntos alheios. Naturalmente, começamos a conversar sobre os concertos que se avizinhavam e não consegui esconder o meu entusiasmo ao mencionar que primeiro iríamos ver um concerto de metal sobre o qual estava muito curioso e outro de música rock pesada para o qual tinha uma expectativa ainda maior, por ter três pessoas de bandas que eu guardo com muito carinho, os Zen e os Cobrafuma. Ficaram curiosos e prometeram marcar presença neste bunker do rock. Descemos as escadas e dirigimo nos para o concerto dos Pledge, cujo atraso de meia hora favoreceu a nossa conversa e a minha barriguinha musical deliciada com um DJ set de funk/soul dos anos 70 estilo James Brown, onde passei 90% de Shazam na mão para, no dia seguinte, fazer uma playlist.
Mas já chegava de agulhas a roçar em discos, e chegou o momento de ouvirmos o roçar de palhetas em cordas de aço e gritos em microfones.Entro então neste bunker que imediatamente aquece e me obriga a colocar casacos num cabide taticamente posicionado para que toda a gente se possa abanar à vontadinha. De seguida, coloco-me à frente do palco para poder assistir em primeira classe ao metal.
Pledge, banda de pós-hardcore constituída por membros de Viana do Castelo e do Porto, chegou para muito mais do que aquecer a noite, mas principalmente para mostrar que não é preciso uma casa cheia para um concerto incrível onde todos os membros dão tudo no palco. Logo após a primeira música, a vocalista da banda, Sofia Magalhães, afirma “somos poucos, mas somos bons”. Sinceramente, nem tive oportunidade de olhar para trás e verificar se a constatação era verdadeira, pois estava mais preocupado em vê-la a correr de um lado para outro, oscilando entre vocais clean e scream aparentemente com a maior das facilidades, enquanto a banda saltava dum lado para outro nos breakdowns. À minha frente, estavam todos a fazer um headbang absolutamente nocivo para a saúde dos nossos pescoços ao som do longa duração lançado em 2021, Haunted Visions.
O bonito neste concerto foi ver uma energia coletiva que em nenhum momento deixava nada a desejar. Acho que os Pledge foram uma banda exemplar neste aspecto: independentemente de quantas pessoas estiverem na sala, é para partir tudo. Se tivesse de apontar algo, não seria à banda mas ao espaço em si, que tem o som um pouco alto demais. Por isso, para futuros frequentadores do ferro bar, aconselho a levarem tampões para os ouvidos.
Segue-se então o concerto tão aguardado da noite, os Krypto. Como já os tinha visto uma vez neste mesmo espaço, tinha belas histórias para contar; no entanto, este concerto foi incomparável com o que vi anteriormente.
A banda do Porto, constituída pelo vocalista Gon (Zen e Plus Ultra), baixista Martelo (Cobrafuma e Greengo) e baterista Chaka (Cobrafuma e Greengo) é, para mim, três super heróis do rock prontinhos para subir ainda mais a temperatura da sala.
Enquanto tocavam o disco Eye18, lançado em 2020, Martelo e Chaka ficavam no palco a produzir o instrumental que deixava os nossos pescoços em transe e Gon no meio do público a fazer algo que apenas poderia descrever como uma performance animalesca. No palco , víamo-lo encarnar ora um fantástico dançarino de danças do ventre, ora um belo nudista, tendo proporcionado ao público um momento em que puxou as calças para baixo enquanto gritava “pago 3€ a quem me chupar a piça” (agarrando-a com vigorosidade, para mostrar que estava a falar a sério). Só no Ferro, mesmo.
Para mal ou para bem, Gon não se mostrou grande fã de permanecer no palco – às vezes nem grande fã de cantar no microfone, pois passava grande parte do concerto agarrado a espectadores (individualmente), gritando nas suas caras e provocando diversas reações com o seu olhar eufórico e gritos nos ouvidos. Tanto foi que tive a oportunidade, não uma, não duas, mas três vezes de ouvir grande parte das canções gritadas na minha cara. Mas não se preocupem, caros leitores: ninguém se aleijou durante esta performance pois, a não ser que sofram de algum problema cardíaco, não terão nenhum problema com estes momentos especiais dignos de um filme. Para permanecerem ilesos da ira do vocalista apenas precisam de manter a calma e uma postura confiante e não mostrar medo, e à partida nada vos acontecerá, embora reconheça que nem sempre foi fácil. Para a minha companheira certamente não foi, pois a determinado momento, enquanto estava eu distraído a abanar a cabeça, tal era a rockalhada brava proveniente do palco, oiço um grito agudo de socorro “Edu, protege-me, ele vem para mim”. Já era tarde de mais: Gon encontrava-se novamente à minha frente. No entanto, ao invés de me agarrar pela camisola com o seu braço suado, para me mostrar com o seu hálito qual era a marca do tabaco que estava a fumar, estava a tentar aproximar se da minha companheira. Enquanto eu me colocava entre os dois, tentavam jogar a uma espécie de jogo da apanhada, em que eu a protegia da sua ira, funcionando como uma espécie de escudo humano. Felizmente este episódio passou rápido, e sobrevivemos todos para contar a história.
Com tantas coisas a passarem-se, até se torna banal falar de todos os saltos do vocalista para cima das pessoas para fazer crowdsurf e todas as suas danças no chão devido a quedas – mas o que vimos foi de facto um espectáculo digno das altas patentes do undergredo. Apenas fico com pena dos amigos do vocalista que andavam a correr de um lado para o outro de modo a assegurar a integridade do microfone e da vida deste, tendo ouvido um suspiro de um deles: “Fico cansado de andar atrás deste homem!”.
Apesar da confusão criada pelo vocalista, não podemos em nenhum momento descartar o talento dos músicos em palco, que em nenhum momento comprometeram a atuação, estando sempre atentos ao que poderiam fazer para manter a atuação viva, trabalhando quase telepaticamente com o vocalista. Com apenas um baixo, uma bateria e uma voz, os Krypto encheram não só o palco, mas todo o Ferro Bar, sem nunca se notar a falta de um instrumento mais harmónico.
Foi um concerto caótico, lindo, terminando com um abraço entre estes três titãs do rock. No fim, restou-nos sentarmo-nos a refletir sobre o que tínhamos acabado de ver. Para quem acha que as atuações malucas de que nos falam de bandas punk e de figuras como Iggy Pop e Sex Pistols ficaram presas no passado, está muito enganado: o rock está bem vivo, e no Ferro Bar no passado dia 21 de setembro ocorreu um momento que ficará marcado na sua história.