Editorial #8

Tenho pensado muito em nós. Se calhar nem sequer é em nós, mas numa ideia de nós. Uma noção preconcebida e provavelmente falsa do que é e do que foi, numa espécie de universo paralelo que não tem nem nunca teve ligação a este que normalmente habitamos.

Não quer isto dizer que seja desagradável. Aliás, não dá para classificar dessa maneira porque não tem a ver com memórias, e sim com sensações. E tal como as referências que menos enganam são as olfactivas, neste caso o raciocínio surge como sons—bizarramente, a maioria sem chegar a tornar-se música. São frequências, ondas, estímulos, vibrações, tudo em jeito de gatilho que te dilacera lá no fundo e te prende como anzol, puxando para a frente, sempre para a frente, eternamente para a frente para que possas contemplar o cenário que criaste dentro de ti.

É nesses sons que consigo mudar a perspectiva, que dá para confirmar quase sem saber. Como um corpo movimentado a feedback, disforme e maleável, trago tudo para o plano intermédio e deixo que ressoe sem travão a lembrar ruído de fundo de festival de verão: homogéneo, confortável, e por fim até surdo. Quando já não há mais nada a dizer, fica só a voz. Quando a voz vai embora, fica só o eco. E quando o eco também se vai, fica o espaço vazio, que grita mais alto do que qualquer som.

Tenho pensado muito em nós. Mas um dia hei-de descobrir em que frequência ficaste e arranjar maneira de ir lá ter.

tripeira de nascimento, parisiense por adopção. já escarafunchou muita arte, pisou muito palco, escreveu para muito sítio, e deitou muita carta. doutora em quebrar corações (e não só) e eterna electroclasher.
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