Editorial #42

Esta semana encontrei o meu último leitor de MP3. Este último pedacinho da minha fútil resistência a ouvir música no smartphone deve ter mais ou menos dez anos. Na altura, o Spotify já tinha explodido, mas a minha alternativa favorita para ouvir a música que queria em qualquer lugar ainda era o Google Play Music (mega, mega RIP), já que me permitia colocar a minha biblioteca de música digital na nuvem. Mas o interface era mau. Nem consigo explicar bem porquê, mas via-se que aquilo não podia ser desenhado a pensar em quem gosta de música: faltava-lhe funcionalidades simples, não estava equipado para colecções grandes, não era o que eu queria. 

Nessa última tentativa de ter um dispositivo separado para ouvir música em movimento, a escolha já não era muita, porque já quase toda a gente começara a transição. A Sony (a minha marca de eleição desde sempre) já não tinha modelos com uma capacidade que eu considerasse decente, eu não tinha dinheiro para um iPod, e a febre de lojas cheias de clones acessíveis (como o AliExpress) ainda não chegara à Europa. Então, acabei por escolher uma cena de nicho: um Cowon X9. Dava para pôr um micro SD (capacidade quase ilimitada) e tinha uma qualidade de som a milhas do que o meu telefone conseguia. Tinha também um ecrã táctil terrível, um software meio caótico, e era um belo tijolo. À medida que o futuro ia chegando com dados mais rápidos e mais baratos, acabei por deixar de usá-lo, mas creio que nunca fui verdadeiramente feliz com esta coisa de ouvir música no telefone. Talvez porque deixei de ter a minha colecção, sendo obrigada a um exercício contínuo de descoberta e descarte imediato.

Na Playback, a descoberta não obriga a descarte e tudo o que escrevemos nasce porque despertou algo visceral em nós, da playlist de uma viagem que mudou a nossa vida (A trilha sonora da minha viagem até São Paulo, por Matilde Inês) ao novo disco de uma banda que nos acompanhou a maior parte dos nossos dias (Passa-Montanhas: Longa vida aos Linda Martini, por Miguel Rocha), da estreia de um novo artista que acreditamos poder ir longe (pikika: “Expressar a minha vulnerabilidade é o que me ajuda a crescer”, entrevista de Ana Margarida Paiva) ao poder de um álbum mais velho do que nós mas que nos cativa e agarra (As portas para a mente de Tricky: 30 anos de Maxinquaye, por Eduardo Ribeiro). Mais uma edição para ler com a calma e atenção de quem ouve o seu disco favorito. <3

O primeiro artigo que escreveu sobre música eletrónica foi para o jornal da escola. Continuou a escrever, passou por uma grande promotora, mas foi na rádio que alimentou a maior paixão. A sua voz atravessou a antena de quase uma dezena de estações, mas teve residência permanente na Oxigénio durante cerca de cinco anos. Mais tarde, fundou o Interruptor. Atualmente é uma das responsáveis pela campanha Wiki Loves Música Portuguesa.
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