Editorial #40

Tenho dormido mais do que o costume. Nem é por me custar acordar (embora os dias frios e escuros não dêem grande vontade de saltar da cama), mas mais pelo cansaço que inevitavelmente se arrasta depois do fecho dum ano colectivamente desolador e a perspectiva dum novo que não se avizinha muito diferente. 

De qualquer das formas, Janeiro dura sempre três meses, e nesse timelapse au ralenti há tempo para tudo: fazer e desfazer resoluções, fechar projectos e abrir novos, reorganizar rotinas, exclamar “já não te via desde o ano passado!” mais vezes do que se devia. Mas a ilusão de que novo ano trará vida nova já não encaixa na maioria, e aquela réstia de esperança a que muitos se agarram ao virar a página do calendário tende a transformar-se num niilismo pouco recomendável. Que ninguém está a dizer que não se justifique, claro.

Não vou entrar em clichés de “salve-se a música”, até porque com festivais cancelados ou a não conseguirem esgotar ao ritmo do costume, plataformas de streaming a serem expostas como meras máquinas (ainda mais) gananciosas que não hesitam em substituir artistas por muzak generalista para evitar pagar os já magros royalties, e um panorama desolador a nível de apoios (quase não existentes), promoção (com redes em plena morte acelerada), e circuitos (salas apanhadas no jogo da gentrificação), há pouco para nos animar.

Esta era a altura em que entrava o “mas.” Lamento, não tenho “mas” para vos dar. A música vai estar sempre lá, só que se não cuidarmos de quem a faz tornar-se-á mais difícil de ouvir. E num mundo como o que temos em 2025, salve-se a banda sonora.

tripeira de nascimento, parisiense por adopção. já escarafunchou muita arte, pisou muito palco, escreveu para muito sítio, e deitou muita carta. doutora em quebrar corações (e não só) e eterna electroclasher.
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