Editorial #30

Verão dá-me sempre vontade de ouvir Doce. Não é que não as ouça o resto do ano (“Fora da Lei” e “OK KO” são presença assídua nos meus sets), mas há qualquer coisa de reclame a gelado da Olá na música delas que me lembra as saudosas piscinas de São Pedro de Moel, o “attention, prêts” de Denis Pettiaux nos Jogos Sem Fronteiras, a hora e meia de Resende que fazia com a minha amiga Madalena até à praia de Leça para dois ou três mergulhos antes de termos novamente de apanhar a camioneta para o regresso.

Com o tempo, essa banda sonora foi sofrendo acrescentos. Era a “Smooth” a tocar baixinho na sala enquanto espreitava a Volta a Portugal passar em frente ao prédio pelos buraquinhos da persiana corrida; a “Hips Don’t Lie” a tocar em loop no café em frente à escola; a “Me Gustas Tu” a musicar um coração partido que, jurava eu a pés juntos, nunca iria sarar. Mas sobrevivi, tanto a esse coração partido como à minha obsessão adolescente por Manu Chao.

Mais uns anos e a própria música do verão era eu quem a fazia. Fosse em tour com Rope ou com Clits, em ensaios para outros projectos, ou até em pré-reuniões para o Rent, os sons da estação deixaram de ser pano de fundo e tornaram-se protagonista principal. De chãos de estúdio salpicados por areia trazida numa sapatilha a microfones involuntariamente besuntados de protector solar, o calor era o ingrediente secreto duma intensidade muda e eufórica, vivida dessa forma colectiva tão íntima que mais lembra um bacanal (Thomas Jolly, percebo a tua visão).

Para deixarmos essas mil narrativas emergir e tomar contornos de recordações futuras, a Playback faz aqui o seu break anual com uma edição especial de férias: o Miguel Rocha entrevista emmy curl, a Rute Correia reflecte sobre os 20 anos da estreia dos Expensive Soul, a Matilde Inês relata a aventura de Sophia Chablau na ZdB, o José Duarte assina um ensaio sobre Denzel Curry, e a Margarida Valença conversa com Maria Caetano Villalobos sobre slam poetry.

O reencontro fica marcado para setembro, com novos textos e novas histórias para amenizar os blues da rentrée. Até lá, desliguem de tudo a não ser a vossa playlist. E ouçam Doce, claro.

tripeira de nascimento, parisiense por adopção. já escarafunchou muita arte, pisou muito palco, escreveu para muito sítio, e deitou muita carta. doutora em quebrar corações (e não só) e eterna electroclasher.
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