Em dias de sol soa sempre diferente. Aqueles em que estás deitado no canto do sofá, embalado pelo disco que meteste a tocar há quinze minutos, com um raio brilhante e quentinho a espreitar por entre as portadas que deixaste propositadamente mal fechadas enquanto a ventoinha sussurra quase ao mesmo ritmo da canção. Ao fundo, uma planta que conseguiste não matar agradece o alimento solar e sonoro, e a sua presença muda torna-se na única companhia que, nestes dias serenos, te impede de sentires como se tivesse havido um apocalipse e tudo lá fora já não existisse. Mas sem violência, sem desespero, sem terror: só tu, a existir numa espécie de vácuo intemporal, abrigado de insignificâncias mundanas e de questões existenciais.
Faz parte da experiência, também, lançares a cabeça num nada que rejeita turbilhões de pensamentos e recordações. Apesar destas insistirem sempre em aparecer, muitas vezes até pelo hábito (vício) do lógico e do racional que alimentas desde que te conheces, não é altura para ficares a dissecá-las. Observa-las com desapego, quase desprezo, agora que juraste para contigo nunca mais deixares que te interrompam estes nirvanas espontâneos. A certa altura já nem a música ouves, mas também não adormeces. Tudo corre no fundo, bem lá longe de tudo (se calhar até de ti), e por um milésimo de segundo o cérebro foge-te num êxtase tranquilo que é simultaneamente inesperado e profético. É nessa altura que te levantas em sobressalto, incapaz de lidar com tal sensação. Sentas-te na beira do sofá com o gosto na boca de quem acorda sem ter dormido, quem limpa as lágrimas sem ter chorado, quem chega sem ter ido embora.
Estragaste tudo mais uma vez, não foi? Mas de qualquer das formas tinhas de te levantar para ir virar o disco.