Há muito tempo que te habituaste a saltar sempre que te mandavam.
No início, ainda tentaste contrariar. Mas por um motivo ou por outro, seja por te terem feito sentir menos do que és se não o fizesses ou por real e directa ameaça à tua integridade física, foste acatando com a ordem.
O tempo foi passando, e de tanto te ordenarem esse salto sem qualquer aviso prévio (mas sempre num imperativo de obediência imediata e total) desenvolveste uma capacidade extraordinária para o antecipares. Já nem sequer era a questão do salto, com essa parte já contavas; era o de que forma, o quão longe, o com que impulso.
Às vezes até deste por ti a respeitar a ordem quando ela nem sequer estava a ser dada. Ias tranquilamente na rua e de repente parecia-te que a ouvias—e prontificavas-te a obedecer, claro. E nem respondias, não valia a pena. Começaste só a aceitar essa inevitabilidade como parte da vida.
Depois esse hábito passou a estender-se também ao período nocturno. Estavas na cama prestes a fechar a pestana quando lá te era requerido que fosses saltar um bocadinho. Um bocadinho ou muito, era o que fosse preciso. Não questionavas, por muito que o dia tivesse sido excepcionalmente cansativo e o quentinho dos cobertores te quisesse reter.
Um dia apercebeste-te de que já não te mandavam saltar, e espantaste-te. Não que fosse algo que adorasses fazer (muito pelo contrário), mas tinhas-te habituado de tal maneira a estar constantemente em semi-estado de alerta que estranhaste essa ausência de ordens. Entre náusea e alívio, olhaste para baixo e percebeste o porquê: nunca mais ninguém te tinha mandado saltar porque há muito que nunca mais tinhas deixado de o fazer.
E agora? Quem é que te vai mandar parar?