Enrosquei-me no edredon, virei-me para o lado, e adormeci. Mas como diria a Ana Deus, não me lembro de ter sonhado. É só o cansaço. As vinte mil imagens por segundo. O mundo que está lá longe mas que nunca esteve tão perto. O inferno que são sempre os outros, o que quer dizer que também somos nós mesmos.
Na cabeça, uma música em loop. E não é que não goste dela, mas assim como faixa única da playlist é um bocado demais. Nem sequer tem um significado especial, é só como se o cérebro decidisse encravar ali como agulha em disco riscado, dissecando sons, palavras, e ritmos até a música não ser mais música e sim uma amálgama de estímulos.
No corpo, uma inquietude como se quisesse dançar deitada mas estivesse sempre a enganar-me nos passos. Não era dois para a esquerda, dois para a direita? Ou três para trás, abana os ombros, um em frente? Numa coreografia esquecida, as pernas movem-se até ficarem dormentes, revoltando-se contra uma cabeça que não as deixa sossegar nem lhes dá grande banda sonora.
E novamente o cansaço. O peso dum corpo que insiste em não levitar. Uma música que já nem toca, só grita. Mais vinte mil imagens. Dois para a frente, três para o lado. No escurinho do cinema, chupando drops de anis. Corvos à janela. Um para trás, trinta mil imagens. Que flagra.
Enrosquei-me no edredon, virei-me para o outro lado, e entrei em transe. Guardei um bocadinho de sono para depois, deixei-me estar de olhos bem abertos, e transcendi.