Editorial #17

Um astrólogo cujo podcast costumo ouvir enquanto faço o jantar menciona frequentemente a importância de escolhermos as nossas batalhas. “Tens de decidir: queres ter razão ou queres ser feliz? Porque muitas vezes essas duas coisas são incompatíveis.”

Apesar dele usar esta imagem para descrever uma série de aspectos planetários em particular, é um mantra que tento aplicar à generalidade dos conflitos, grandes ou pequenos, que surjam na minha vida: quero realmente comprar esta briga, fará sentido investir esforço psicológico e emocional nisto, será que continuará a ser pertinente daqui a dois dias, semanas, meses, anos? Ou prefiro ceder desta vez de forma a evitar desperdício de energias, optando por uma serenidade (ainda que relativa e temporária) que me dará tempo e clareza suficientes para rever a minha estratégia?

Numa altura em que a auto-reflexão do final dum ano que provavelmente preferíamos esquecer se junta ao stress de viagens, contas à vida, e reuniões mais ou menos forçadas com parentes que nem sempre nos aceitam como somos, esta escolha torna-se mais importante do que nunca. Ninguém está a dizer para se deixarem pisar sem respeito nem misericórdia (até porque estas coisas só funcionam na base da reciprocidade), mas pensem bem se é a altura certa para agitar águas que até estavam relativamente navegáveis. Paciência para aturar fachos devia por si só valer-vos um lugarzinho no céu ao lado do menino nas palhas deitado, como diz a cantiga; mas se o assunto miraculosamente não for puxado, optem por falar só de coisas neutras como o molho das rabanadas ou a gata da vizinha que teve gatinhos outra vez.

O mundo está em frangalhos, a humanidade numa mistura de depressão e dormência, e as poucas forças que a pandemia não levou no limite—e se não olharem por vocês é bem provável que entrem em desespero com tanta falta de perspectivas. Apesar da alienação não ser nunca solução para nada, autorizem-se um intervalo mental estes dias: abracem família (de sangue ou adoptada), tratem-se bem, e atrevam-se a imaginar um futuro melhor. E claro, ouçam sempre muita música. Porque é isso que torna tudo um pouco mais suportável.

tripeira de nascimento, parisiense por adopção. já escarafunchou muita arte, pisou muito palco, escreveu para muito sítio, e deitou muita carta. doutora em quebrar corações (e não só) e eterna electroclasher.
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