A minha canção de Natal favorita (que não é bem uma canção de Natal)

Nos últimos anos, devido ao streaming, o início da época natalícia não é marcado pelo frio, pela lenha a crispar na lareira, pelos filmes de natal da Fox Life. Não. O Natal começa quando “All I Want for Christmas Is You” começa a trepar os charts e a ser escutada em tudo o que é sítio. É uma verdadeira pandemia. Adoro a canção, mas uma pessoa fica farta. É como a “Last Christmas” dos Wham! Quantas vezes podes dar o coração antes de te fartares? Aparentemente, muitas. Eu não sei se tenho mais corações para oferecer.

Em 2021, em modo 100% pretensioso, fiz uma playlist no Spotify com o título “música de natal para pessoas que já não toleram a last christmas dos wham”. Já não a atualizo desde 2022, mas tentei que as canções dessa playlist, de alguma forma, fossem quase todas melancólicas. Há artistas portugueses – João Couto, Tomás Adrião, Noiserv, B Fachada -, há clássicos do indie – Phoebe Bridgers, LCD Soundsystem, Death Cab For Cutie, Low -, e há malhas que simplesmente me sabem a natal. Sabem a sonhos, bilharacos, chocolate. Cheiram a lenha a queimar, a uma nostalgia que parece perdida no tempo. “Babooshka”, da Kate Bush, é uma dessas. É um aconchego quente para uma noite fria de diversão. “Winterlude”, do Bob Dylan, é outra. É uma canção para ter de fundo enquanto a mesa é posta. “25th December”, dos Everything But The Girl, soa a ressaca pós-consoada. Adoro todas essas canções. Nenhuma delas é a canção que ouço de há quase dez anos para cá com o aproximar do Natal. Essa também está na playlist. Chama-se “12.23.95” e é dos Jimmy Eat World (curiosamente, os Jimmy Eat World têm uma versão da “Last Christmas” – é ok).

Os Jimmy Eat World, se não são a minha banda favorita de emo, estão lá perto. Considero que a discografia deles entre o seu disco de estreia, Static Prevails (1996), e Futures (2004), o quarto longa-duração da banda oriunda de Mesa, no Arizona, é praticamente perfeita. Gosto muito desses quatro discos, mas Clarity (1999), o segundo álbum da banda, é aquele que mais ouço e visito. “12.23.95” é uma das canções desse disco, disco esse que é seminal para se entender a transição entre a segunda (que termina no final da década de 90) e a terceira onda de bandas de emo (que começa mais ou menos em 2001, coincidentemente o ano em que os Jimmy Eat World lançam Bleed American, o sucessor de Clarity que os catapultou para o mainstream) e que quase terminou com a banda. Afinal, a editora dos Jimmy Eat World na altura, a Capitol (uma major), não quis promover Clarity e a banda quase se tornou mais uma das muitas bandas alternativas que, no pós-Nirvana, foram comidas pelos abutres da indústria discográfica norte-americana.

Por defeito, já associo Clarity a um disco de inverno. As guitarras cintilantes que permeiam o disco soam a neve a cair. Mesmo quando o álbum aumenta em agressividade, rumo ao pós-hardcore que também define o som dos Jimmy Eat World, há sempre um certo conforto na forma como a banda interpreta estas canções. São malhas para ouvir à beira da lareira com a família escolhida a lado – e podem ser amigues, claro. Nós é que escolhemos a nossa família. Não se esqueçam disso.

“12.23.95” é uma canção nostálgica e triste e é assim que gosto das minhas canções natalícias. Não que ache particularmente o Natal uma época triste – não acho – mas porque, à medida que os anos passam, coloco os óculos da nostalgia perante os natais passados e até as discussões ganham novos significados. É um sentimento estranho, esse. Crescer.

Em “12.23.95”, Jim Adkins deseja feliz natal a alguém que ficou para trás no seu passado. À boa maneira do emo, este interesse romântico impactou-o. Adkins talvez a tenha magoado ou talvez ela o tenha magoado. Não sabemos com certeza. Sabemos, contudo, que “12.23.95” ecoa uma certa ânsia, um certo desejo de (re)encontrar esse alguém do passado para que as pazes ocorram. Adkins até pode não saber o que dizer (“I didn’t know what to say”) nem o que fazer exceto tentar justificar-se (“I didn’t mean to leave you hanging on / I didn’t mean to leave you all alone”). No final, não consegue. As guitarras cintilam, as drum machines oferecem conforto. “Merry Christmas, baby”, entoa Adkins, como se todas as dúvidas sobre o que sente desaparecessem por um mero segundo. Porque a única certeza é essa: é Natal.

Cucujanense de gema, lisboeta por necessidade. Concluiu um curso de engenharia, mas lá se lembrou que era no jornalismo musical e na comunicação onde estava a sua vocação. Escreveu no Bandcamp Daily, Stereogum, The Guardian, Comunidade Cultura e Arte, Shifter, A Cabine e Público, foi outrora co-criador e autor da rubrica À Escuta, no Espalha-Factos, e atualmente assina textos no Rimas e Batidas e, claro está, na Playback, onde é um dos fundadores e editores.
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