Mais de meia volta se deu ao sol desde a última vez que se falou aqui da MAQUINA. Na altura, sentados à margem do rio Taboão, conversou-se, adivinhou-se e acima de tudo viveu-se a histórica edição do Vodafone Paredes de Coura para o trio lisboeta. Entretanto, muita volta também se deu na vida de Halison Peres (bateria e voz), Tomás Brito (baixo) e João (guitarra) desde então.
Após mais de 50 concertos dados em 2023, um disco editado (DIRTY TRACKS FOR CLUBBING) e um novo – PRATA – gravado, uma nova editora (Fuzz Club Records) e acabadinhos de na sua van rumarem Europa fora a abrir para os compinchas A Place to Bury Strangers – e de ainda terem dado uns quantos concertos em nome próprio -, a banda já não é apenas um fenómeno curioso do pós-COVID musical português. É, sem dúvida alguma, o seu mais frenético novo protagonista. “A banda do momento”, como já se disse aqui. Mas nunca é demais relembrar que não é somente para ler tal apelidação como se se tratasse de uma afirmação ligeira de algo pomposo, de algo que está na moda, que faz barulho e que dá que falar. Não, nada disso.
MAQUINA. é a banda do momento porque é lá que ela vive. Eles são o momento. Porém, se há por aí sortudos que podem gozar de concertos da “máquina de dança” com certa regularidade de forma a que possam estar no momento da maquinaria em dose saudável, quem está longe dos grandes epicentros culturais onde os lisboetas tanto figuram tem de reger-se às 4 faixas do fulminante DIRTY TRACKS FOR CLUBBING. Nenhum problema com isso. Afinal de contas, apesar da componente ao vivo ser dos maiores trunfos do trio, a base para tudo isso foi o seu cacófato tech-kraut industrial demoníaco que conquistou os FREAKS e os levou às pistas de dança de todo o país e mais além. Esse momento já remonta para o que estes viviam em janeiro de 2023. É tempo então de perpetuar sonoramente o que agora vivem. Então, no final do verão, começaram a dar rec nas novas jams com a ajuda de Carlos de Jesus (Sunflowers) e construiu-se (ou viveu-se, vá) o novo momento discográfico da MAQUINA., PRATA, que chegou até nós no passado dia 5 de abril com o selo da londrina Fuzz Records.
Que se compreenda que, no caso da MAQUINA., o lançamento de um sucessor de um trabalho que por tanto palco brilhou – apesar de ser na escuridão que estes se acolhem -, não é brincadeira nenhuma. Ao fim e ao cabo, esperamos a mesma jarda cíclica, munida de repetição e pujança, o som que nos fez apaixonar. Por outro lado, espera-se também um suplemento àquilo que já temos, uma elevação da fasquia de insanidade. Já se percebeu que o processo de criação de MAQUINA. é bastante empírico (talvez até hedonista), focado mais na emoção do momento do que na racionalização. Que não se considere a ligeira diferenciação da estreia como uma tentativa de navegar para outras ondas estilísticas. Este disco é diferente, mas não nos é estranho. Tal já tinha sido provado pela progalhada krautíca do primeiro single “denial”. Além de que a capa exibe algo nítido: a voltagem da distorção mudou. As faixas de PRATA deixaram de se nomenclar em morse maquinário e há mais delas para se ouvir. Todavia, a música que estes três jovens fazem não é fruto deles. É parte deles.
Há muita máquina feita de prata e este PRATA é parte da MAQUINA. Sendo MAQUINA, na sua essência, kraut, PRATA aproxima-se ainda mais dessa direção – da repetição -, sem nunca perder a jarda que tanto gostam de embeber em faixas sujas para clubbing. Não é justo chamar-lhe regresso, pois o kraut está presente desde os NAO!. Chamemos-lhe antes, puxando o imaginário hitchcockiano, o MacGuffin maquinesco. Algo crucial, que não protagoniza, mas que sustenta o universo sonoro por onde nos perdemos. Este que é banhado a uma sensação eletrizante, derivado da eletrónica pujante que estes continuam a emanar.
PRATA começa a todo o gás com “body control”, faixa que faz jus ao seu nome. Uma valente manipulação benigna ao nosso físico, brindada com muita guitarra impetuosa e baixos reguilas. Casa-se bem com a canção que finda o disco, “concentrate”, que acaba por piscar o olho, a toda a velocidade, à repetição contínua em que esta máquina opera. Não é, contudo, a faixa mais dançável – essa é o malhão que é “subversive”. Deambulando endiabradamente num slalom rítmico, onde tanto parecem fugir de um vouguinha, como correm à frente de um TGV, as linhas de baixo abanam a anca enquanto vão sendo consumidas pela cacofonia dos rugidos aguitarrados de João e a bateria protestante de Halison. “Kontakte”, maníaca e fulminante, vai buscar o nome ao trabalho eletrónico experimental e rockístico de Karlheinz Stockhausen – não parece coincidência, pois sabemos quais os campos sonoros que interessam a este trio -, e soa como se uns CAN se fundissem a uns HEALTH cibernéticos e em esteróides. Na mesma direção dessa fulminância maníaca, esta MAQUINA. entrega-nos “desterro”, o mais punk que esta máquina de dança já soou.
Em PRATA, o som desta MAQUINA. continua a desenvolver-se. Evoluiu. Mantém-se hostil, mas nunca chega a ser violento. Tem nele embutido uma incessante vontade de destruir pistas de dança, vontade essa intensificada pelos anos de pandemia em que se ficou enclausurado e privado de expressar corporalmente o que a música nos faz sentir.
Agora, já com muita dança no estômago e com muito suor pingado por esse país fora, é tempo de experimentar mais formas de continuar a provocar algazarra. Vagueando em paixões e no que os faz sentir melhor, a MAQUINA. consegue manter acesa essa chama. Continuamos a ter essa dopamina hipnotizante e quasi-terapêutica, mesmo que as batidas não remetam tanto para o technão industrial da sua estreia. Por cá, tudo bem. Sabemos que estamos a ouvir uma banda que, no seu momento, se torna nossa assim que a ouvimos. Venham mais momentos como este PRATA – esta máquina ainda tem muito para dar.
A MAQUINA. vai levar PRATA um pouco por todo país até junho. Podes encontrar as datas dos concertos aqui.