Milhanas é um dos nomes mais essenciais na música portuguesa contemporânea e o seu tão aguardado álbum de estreia veio provar isso mesmo. De Sombra A Sombra. O título do disco alberga todo um universo construído a partir de experiências e memórias – tanto suas como de quem a rodeia – e, sobretudo, a partir de uma intensa descoberta identitária.

Num conjunto de onze canções recheadas de sentimento, onde um discurso introspectivo de quem reclama por um mundo melhor prevalece, Milhanas coloca-se a nu e traça um profundo autorretrato. Neste álbum, o som tão tradicional quanto moderno e as palavras que falam mais alto do que qualquer outra coisa unem-se num trabalho único. Tão único quanto Milhanas, uma mulher que foi ao fundo de si mesma e emergiu com uma história para cantar – e encantar.

Milhanas - De Sombra A Sombra
Capa De Sombra A Sombra

Em conversa com a Playback, a artista falou sobre o percurso que tem traçado até hoje e sobre o seu primeiro trabalho a solo.

Fala-nos do teu percurso até aqui. Onde é que teve início a tua relação com a música?

Olha, a música apareceu na minha vida de uma forma muito orgânica. O meu pai é músico [Vítor Milhanas, produtor e baixista do Fausto] e a minha mãe, embora não sendo oficialmente cantora, também teve vários projetos, inclusive com o meu pai. No entanto, a minha entrada na educação musical nunca foi uma coisa forçada por parte deles, ou seja, eles nunca me proibiram, nunca me limitaram, mas também nunca me forçaram tipo “como somos músicos, queremos que tu também sejas”. Muito pelo contrário, sempre foi uma coisa liberal e tive a sorte de poder ter experimentado literalmente tudo o que havia na Musicentro dos Salesianos de Lisboa, que é uma escola de música incrível, deixo já aqui dito. Toquei violino, participei num coro gospel, fiz teatro e dança, integrei um combo de jazz e música moderna, ou seja, tive a oportunidade de passar por várias vertentes e sempre muito bem acompanhada. Depois houve uma altura, principalmente na parte curricular, em que comecei a perceber que não estava efetivamente feliz e que o caminho não era por ali. Embora adorasse tudo, porque sempre gostei muito de estudar e sempre fui bastante interessada nas aulas, sabia que o caminho não era por ali. Comecei a dedicar-me cada vez mais e a encurtar as opções. Por exemplo, a dada altura, comecei a perceber “ok, o violino, se calhar, agora já não me faz sentido” e assim por diante. Quando dei por mim, estava cem por cento concentrada na parte da técnica vocal. Depois até fiz um curso com a Luísa Sobral [Escrita para Canções]. Não só foi incrível, como também foi um ótimo primeiro passo para começar a compor as minhas próprias coisas, porque sempre escrevi muito, mas era-me difícil escrever música. Por exemplo, era muito mais natural escrever prosas–

Ia precisamente perguntar-te quando é que decidiste começar a escrever e compor o teu próprio material.

É assim, já escrevia as minhas canções muito nova, mas só comecei a olhar para elas como canções acabadas e canções possíveis de mostrar a alguém depois do curso da Luísa Sobral. Portanto, vou assumir essa altura como o início do meu percurso enquanto compositora, que já nem sei em que ano foi o curso com ela, mas deve ter sido há cinco anos, talvez… Seis… Tudo começou por aí.

Há tempos li algures que te consideras uma pessoa “muito noturna” e, por isso, só compões de noite. São os teus pensamentos que te mantêm acordada?

Honestamente, acho que sou assim desde sempre. Não sei se não terá a ver com isto, mas o meu pai trabalhava muito à noite. Não sei se era por ser a única altura em que ele conseguia encontrar efetivamente silêncio para poder trabalhar, isto porque eu era pequenina e a minha mãe trabalhava durante o dia, portanto havia sempre caos. Não sei se foi porque me habituei a vê-lo a trabalhar à noite que quis trazer isso também para mim, mas realmente sempre encontrei um conforto na noite. Sei que normalmente é ao contrário, até porque estamos a falar de um período mais pesado e solitário. Mas talvez tenha sido isso e depois também comecei a ir com muita regularidade aos fados, onde a noite se ia prolongando cada vez mais.

Tens uma versão incrível da “Guarda-me Esta Noite” do Valter Lobo numa homenagem a cantores e autores de Língua Portuguesa. Nunca pensei que fosse possível alguém pegar nesta canção e torná-la tão sua, isto porque as canções dele soam-me sempre muito pessoais. Consideras que a tua escrita começa sempre nas experiências pessoais?

Sim, infelizmente sim, para já. Primeiro, é-me muito difícil interpretar canções de outras pessoas se não sentir “uau podia ter sido eu a escrever isto” – não no sentido de “sou ótima, podia ter escrito isto”, mas antes no sentido de “podia ter sido eu a sentir e a escrever isto desta forma”. Segundo, e até agora, tenho escrito sobre coisas que me revoltam e que me entristecem, ou seja, nem sempre são coisas que me aconteceram. Imagina, até posso estar na boa, mas é uma história que acaba em mim ou na forma como me sinto em relação a ela. Portanto, até agora sim, mas espero ficar menos presa ao meu ego, digamos assim, nos próximos tempos.

Portanto, a tua composição acaba por ser autobiográfica e este teu álbum de estreia é a prova disso. Qual a importância para ti de partilhar algo tão pessoal com os teus ouvintes?

Vou ser sincera: é um bocado assustador, porque este álbum é um autorretrato e acredito que não seja assim o mais literal do mundo. Considerando as respostas e mensagens que tenho recebido, há várias interpretações diferentes de cada canção e isso, por um lado, descansa-me, porque gosto de manter alguma discrição perante a minha vida pessoal. Por outro lado, tenho sempre esperança que as pessoas se possam identificar. Sinto que, às vezes, não é preciso as pessoas reverem-se nas letras das músicas, mas sim no ambiente que o álbum cria.

De Sombra A Sombra: de que forma é que esta expressão caracteriza o disco?

Primeiro, o “de sombra a sombra” faz parte de um poema que a Amália Rodrigues canta. Portanto, esse é o sentido mais romântico da escolha. Depois é muito literal, porque é um álbum que conta as minhas sombras de forma cronológica, isto é, vou de sombra a sombra contar a minha história.

É um álbum que vive de uma certa descrença perante a vida” disseste numa entrevista à Antena 1. O que te levou a essa descrença?

Olha, acho que há vários campos em que posso pegar para responder à tua pergunta. Em primeiro lugar, sinto que desde muito nova – a minha mãe ainda hoje me fala sobre isto – transparecia muitas vezes que era triste a mais para a felicidade que tinha. Isto porque sempre tive tudo o que precisava, graças a Deus, mas mesmo assim era uma criança meio melancólica. É como se guardasse as dores dos outros e isso parece um bocado fadista, mas é a única forma de explicar isto, porque não é uma coisa palpável e física. Sempre senti que existe um peso dentro de mim que não é meu, que não me pertence, que é antes de alguém, de alguém que preferiu guardar esse peso dentro de mim. Por outro lado, também sinto e quero acreditar que alguém que nasce na minha geração tem obrigatoriamente de ser consciente do que se passa no mundo e, sendo consciente, é muito difícil ser-se cem por cento leve, porque realmente acontecem e passam-se coisas horríveis no mundo, coisas que nós não podemos controlar, pelo menos de forma direta. Portanto, acho que este álbum é uma junção das minhas sombras, das sombras daqueles que descansam dentro de mim e das notícias do mundo. Sou uma pessoa consciente das coisas que se passam e, portanto, é difícil não levar com esse peso.

Ainda assim, não deixa de existir uma réstia de esperança. Onde a vais buscar?

Há mal, portanto também há bem, há efetivamente coisas boas a acontecer e eu não gosto de ser só uma pessimista. Costumo dizer que se há alguma coisa que tenho a perder é a arte. Se foi a arte que me salvou até agora, acredito que vá ser ela a salvar-me para sempre, inclusive nas minhas próximas quedas. Portanto, a esperança vai sempre ter lugar na arte, acho eu.

Milhanas (Tiago Pestana)
Fotografia: Tiago Pestana
Nas últimas conversas que conduzi, tenho questionado a música enquanto terapia. Portanto, este De Sombra A Sombra tem um certo valor terapêutico para ti?

Ai sim, cem por cento, é um exorcismo das minhas coisas e acredito mesmo que, a partir de agora, vai ser um caminho em ascensão, pelo menos a nível emocional, que é quase como se “agora isto já não me pertence, já foi”.

Na entrevista à Antena 1, brincaste com o facto de mencionares sempre o teu pai enquanto referência na tua vida e raramente o da tua mãe, isto a propósito de algo que ela te disse. No entanto, abres o disco com uma faixa intitulada “Mãe”. Foi intencional?

Foi, porque era injusto, ou seja, as perguntas são sempre feitas relacionadas ao meu pai, porque ele é que vive efetivamente da música. No entanto, se for a pensar, no fim de um dia, a minha mãe esteve muito mais próxima de mim do que o meu pai. Se há figura que me acompanhou sempre, em todos os segundos, em todas as decisões, em todos os caminhos mal ou bem feitos foi a minha mãe. Portanto, a canção “Mãe” tinha de começar o disco, não havia como. Foi a pessoa que deu origem a tudo, literalmente, e não só.

Não sou nada a artista ou a pessoa que escreve ou fala sobre amor, isto não faz sentido nenhum”, disseste ao Rodrigo Correia quando lhe mandaste o refrão da canção “Mais Que Ao Sol” – contaste esta história numa entrevista à Renascença. Podes elaborar melhor esta ideia?

Dizia isso antes de me apaixonar, efetivamente [risos]. Até me apaixonar pela primeira vez, até ter o meu primeiro grande amor, tudo o que eram canções de amor passavam-me completamente ao lado, porque nunca tinha sentido aquilo. Tive relações, namorados e assim [risos], gostava das pessoas com quem estava, claro, mas estava a anos de luz de saber o que era amar alguém. Quando amei pela primeira vez, foi quando escrevi a “Mais Que Ao Sol”, mas ainda estava com aquele trauma do “eu não sou nada esta pessoa” [risos]. Basicamente, estava quase em negação de uma coisa que estava a sentir, mas, pronto, acabei por aceitar.

Nesta canção foste buscar um verso ao poeta António Barahona (“Deus te pague o silêncio que me deste”, in a A Voz ao Espelho, ed. Averno, 2017). Nota-se um interesse especial pela literatura portuguesa, fala-nos sobre essa tua (outra) paixão.

Olha, essa minha outra paixão surgiu com mais força no secundário, porque apanhei uma professora de Literatura Portuguesa que é inacreditável e que me ajudou a alimentar essa paixão de uma forma equilibrada, isto porque sou um bocadinho fanática. Lembro-me perfeitamente de começarmos a estudar a obra de Fernando Pessoa e de começar a ficar… Tipo, tu não tens noção, de ler e ler “O Livro do Desassossego” e de, claramente, aquilo me estar a levar para um poço, porque não é propriamente um livro leve, e ia para as aulas com dúvidas e com questões. Opa, uma vez até me armei em revolucionária, embora já não tenha sido com a mesma professora. Tínhamos que fazer uma composição em que a pergunta era: “Fala-me sobre a vida de Fernando Pessoa até O Livro do Desassossego”. Lembro-me de escrever uma coisa como se o conhecesse, a dizer que ele ia odiar que isto acontecesse, enfim [risos]. Passei-me [risos]. Então, houve um dia em que a professora se sentou comigo e disse “ok, vamos só ter calma que está tudo certo, vou começar a apresentar-te outros poetas” – foi aí que começou.

Já agora, se tivesses que escolher um único livro para leres até o resto da tua vida, qual seria?

Um livro de poesia ou de prosa, é indiferente?

É indiferente, um que te tenha marcado.

“O Livro do Desassossego” do Fernando Pessoa, tem que ser. Se bem que este álbum tem muitas referências à “Antologia Poética” do Miguel Torga. Foi um livro que comprei sem querer – estava a passar na Bertrand, queria levar qualquer coisa, mas não sabia bem o quê. “Miguel Torga escreve poesia?”, pensei. Não sabia, comprei e amei. Isto é muito engraçado: esse livro está todo escrito e não é com interpretações, é com poemas meus que escrevi depois de ler os dele. À medida que ia lendo os poemas do Miguel, pensava “uau esta ideia é brutal, o que é que eu penso em relação a isto?” e pronto.

Tens o fado muito presente na tua voz e, parece-me também, no teu coração. No entanto, não te consideras fadista. “O fado não é uma canção, não é um estilo de música; é o próprio peso da vida”, escreveste num post do Instagram. É esta a tua definição de fado? Como é que o fado surgiu na tua vida?

Sim, sim. Então, comecei a ir a casas de fado e amei logo, ou seja, foi uma paixão quase automática, mas percebi que era um caminho, percebi que “ok estou a adorar o que está a acontecer, mas ainda não entendo, portanto tenho que vir mais vezes”. Comecei a ir quase todos os dias tipo maluca e depois percebi que, no fado, encontrava a força da palavra e da interpretação – as palavras eram interpretadas, o que já não é muito comum hoje em dia, em que parece que a parte lírica da música vai para um plano D. Depois é a forma como o silêncio simplesmente acontece e não é pedido… Para mim, o fado, é de onde tudo parte. Comecei a identificar-me imenso na forma como os fadistas vivem e levam a vida. Encontrei ali um lugar de casa, ou seja, um lugar onde nada na minha vida ia ser julgado, porque finalmente sentia-me compreendida, é isso.

Milhanas (Tiago Pestana)
Fotografia: Tiago Pestana
Tens vindo a mostrar ao vivo o tema “Eu de Prosa”, inclusive quando acompanhaste a MARO, no ano passado, na digressão dela por Portugal. Que urgência encontras nesta canção, ao ponto de teres feito questão de a levar contigo mesmo ainda antes dela ser lançada?

Em primeiro lugar e pragmaticamente, a “Eu de Prosa” era a canção preferida da MARO do meu álbum. Ela própria disse “vamos escolher uma tua” e ficou essa durante um tempo. Logo à partida, foi por aí, e depois, porque é também a minha canção preferida do álbum. Além disso, foi a mais difícil de escrever e é a que retrata a altura mais difícil da minha vida e, ao mesmo tempo, a mais bonita também, porque acaba em bem. Esta canção é uma viagem, que começa num lugar muito escuro e que acaba num lugar, se calhar, não muito mais claro, mas de viragem.

Como é que funcionou o processo de criação do álbum?

Foi um álbum que aconteceu de forma super descomprometida. Eu e o Rodrigo Correia conhecemo-nos, já nem me lembro bem como, e de repente encaixámos e, até hoje, nunca conheci nenhum músico com o qual consiga ter tanta química como tenho com ele. Combinámos lá em casa, ele começava a tocar, a fazer uma melodia por cima, depois as letras surgiam ou eu já ia com um poema. Portanto, as canções foram acontecendo, tanto que quando começámos a trabalhar com o Agir, já quase todas elas existiam. O álbum aconteceu de forma cem por cento acústica. Quando começámos a trabalhar com o Agir é que ele disse “ok vamos ver isto aqui, aqui e aqui”. Na realidade, as únicas canções que são efetivamente recentes são “Roubar Um Corpo”, “Só A Mim” e “Sempre Que Te Vejo”, são minhas e do JustJon, que é o segundo produtor do álbum.

No teu disco, moves-te entre estilos, entre os quais se encontram traços da música tradicional portuguesa e uns sons mais eletrónicos. Qual é a componente principal que pretendes que as pessoas retirem da tua música?

Musicalmente falando, quero sempre levar alguma portugalidade comigo. Não sou extremista, ou seja, quero experimentar tudo. Se for para fora, vou levar sempre a guitarra portuguesa comigo, tanto que harmonicamente o meu álbum tem muitas influências de outros lugares, mas quero tentar levar sempre, pelo menos na voz, alguma portugalidade, porque é de onde venho, de onde nasci – são as minhas referências.

Isso faz-me lembrar a definição que o Pedro Mafama atribuiu ao termo “novos fados”, numa entrevista que deu ao Rimas e Batidas, em 2018, onde disse que são “canções sobre a vida, que seguem uma via nova e tentam abrir novos caminhos, mas que têm uma ligação à cidade e ao sítio de onde surgem”. Podemos incluir-te neste fenómeno?

Ai, não sei. Não sei se deveria ser eu a dizer ou não, mas se me identifico? Sim, totalmente.

Como é que foi trabalhar com o Agir e o JusJon, produtores deste álbum?

Foi uma viagem. O Agir foi incrível: ele apaixonou-se pelo disco, acreditou no projeto como se fosse dele, tratou-o de uma forma muito especial, acreditou mais nele do que eu alguma vez na vida vou acreditar sequer. Basicamente, sempre confiei muito nele. Depois chegámos a um lugar em que passámos de meros conhecidos para, de repente, grandes amigos e isso começou a trazer algumas dificuldades a nível profissional – o que é normal. Ele acabou por se afastar um bocadinho para deixar o álbum também respirar e foi aí que o Jon entrou, conseguindo dar voz aos meus silêncios, às coisas que não conseguia explicar ao Agir. Foi um trabalho de equipa. Houve momentos incríveis, houve momentos menos bons, mas é como tudo na vida – e ainda bem que assim foi.

Por falar no Agir, em 2022, participaste no Festival da Canção com uma canção escrita por ele, “Corpo de Mulher“. Como é que te sentiste a interpretar o tema e o que destacas da tua passagem por lá?

Foi uma honra interpretar uma canção do Agir. Por um lado, por ser dele e por acreditar que é um dos melhores compositores desta geração – é o artista mais versátil que já conheci. Por outro lado, porque é uma canção com a qual me identifico na totalidade. Estava um pouco nervosa, era uma responsabilidade muito grande, porque não era uma canção só para mim, nem só sobre mim, era uma canção que, no fundo, estava a fazer com que estivesse a dar voz a todas as mulheres. Ao mesmo tempo, a passagem pelo Festival da Canção foi um grande ponto de viragem para mim, enquanto artista e até enquanto pessoa, porque eu vinha de uma altura em que estava um bocadinho revoltada e ansiosa com a indústria da música. Mas entrei no Festival e, de repente, estava a viver uma bolha de amor, literalmente, entre todos os concorrentes – fiquei com amigos e amigas para a vida e a equipa da RTP também, hoje em dia, é quase família. Portanto, foi um descanso, foi tipo “ok, está tudo certo”.

Milhanas (Tiago Pestana)
Fotografia: Tiago Pestana
Não venceste o Festival da Canção, mas ainda assim foste à Eurovisão como uma das convidadas a integrar o coro da canção “saudade, saudade” da MARO. Como é que foi essa experiência?

Sei lá, sei lá, foi incrível. Sinceramente, acho que nunca vou ter nada sequer parecido na minha vida, aquilo é um mundo paralelo – acredito que não haja nada assim parecido em mais lado nenhum. Não só por ser uma produção gigantesca que nós nunca vamos ter, pelo menos no nosso país, mas também porque a Eurovisão é acompanhada de um fanatismo que nós não sentimos tanto, e graças a Deus acho que posso dizer isto porque éramos apenas seis amigas a viver a Eurovisão de uma forma descomprometida e tranquila. Portanto, sempre que me perguntam isso, gosto de dizer que foi como se estivéssemos estado de férias a fazer o que mais gostamos e a ser parvas. Foi o que aconteceu [risos].

Quem é que te inspira atualmente?

Olha, desta geração… Descobri há pouco tempo o trabalho d’A Garota Não e gostei muito. Também gosto muito do que o Tiago Bettencourt escreve. O Salvador Sobral, para mim, é o mais brilhante intérprete que já vi ao vivo. A MARO é uma compositora fenomenal e haverá muitos mais, só que agora não me estou a lembrar, que horror [risos].

Na boa, na boa. Internacionais, surge-te algum nome?

Olha, o Chico Buarque é o meu maior ídolo. Gilberto Gil, Milton Nascimento e Silvia Pérez Cruz são assim os nomes mais fortes, talvez.

Billie Eilish, não? Questiono porque o teu álbum soa muito a Billie Eilish, principalmente na “Sempre Que Te Vejo”.

Ai, claro que sim. Na “Sempre Que Te Vejo” e basicamente nas produções com o Jon, fomos buscar muitas referências à Billie Eilish.

Uma coisa muito característica na tua arte é o complemento visual com que te apresentas, principalmente através dos videoclipes. De que forma é que se relacionam com a mensagem que tentas passar cá para fora?

Gosto de pensar que os videoclipes não são nada mais do que um espelho, isto é, quase como uma interpretação visual daquilo que a música conta e explica. No videoclipe do “Mundo”, que contou com a realização do Daniel Mota, foi um caminho gigante para chegarmos ao conceito final. Discutimos várias ideias e concluímos que a melhor forma seria representar uma passagem muito rápida da minha vida, quase que uma espécie de autocrítica. Por isso é que no videoclipe, atrás de mim, aparecem flashbacks de toda a minha vida e é por aí… Gostava de estar mais preparada para esta resposta [risos].

Sem problema [risos], passemos para a próxima questão. Na altura, com apenas três singles originais lançados, estiveste nomeada na categoria de Artista Revelação na mais recente edição dos Prémios PLAY. Qual foi a sensação?

Não estava, de todo, à espera, mas foi super gratificante e deu-me ainda mais vontade para continuar. Na verdade, apareceu numa altura ótima, ou seja, numa altura em que estava tudo finalmente a concretizar-se. Além disso, veio dar-me, sobretudo, imensa esperança. É um alento, fiquei mesmo feliz.

Com o teu primeiro álbum oficialmente cá fora, como é que te sentes?

Sinto-me descansada e feliz, mas também estou muito ansiosa para começar a tocar ao vivo, para conhecer as pessoas que estão desse lado e para dar mais e melhor daqui para a frente.

Já tens um concerto marcado no Festival Jardins do Marquês em Oeiras, no dia 5 de julho. Há mais planos para levar este De Sombra A Sombra aos palcos?

Há, sim. Para já, não posso adiantar muito, porque acho que as datas ainda não estão cem por cento fechadas, mas, em breve, vou anunciá-las.

Fotografia de destaque: Tiago Pestana

Nascida e criada em Aveiro, mas com a Covilhã sempre no coração, cidade que a acolheu durante os seus estudos superiores. Já passou pelo Gerador, e pelo Espalha-Factos, onde se tornou coautora da rubrica À Escuta. Uma melómana sem conserto, sempre com auscultadores nos ouvidos e a tentar ser jornalista.
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