Van Zee e FRANKIEONTHEGUITAR entre (altas) costuras sonoras

Van Zee e FRANKIEONTHEGUITAR podem até vir de universos musicais diferentes, mas quando se juntam a química é inegável. Sebastião Caldeira e Francisco Baptista já tinham dado sinais de sucesso em faixas como “Underwater” (com Diogo Piçarra), “Chamadas” (com Ivandro) e “Even” (com Richie Campbell) – e não só. Francisco teve um papel crucial no percurso artístico de Sebastião, produzindo uma grande percentagem do seu álbum de estreia, do.mar, que rapidamente conquistou a platina. Os dois finalmente uniram forças para criar ALTA COSTURA, um projeto que promete levar ainda mais longe a sua química musical. O disco é uma celebração da música portuguesa, onde os clássicos ganham uma roupagem moderna, com beats electrónicos, guitarras cheias de alma e uma produção que mistura tradição e inovação na dose certa. Cada faixa é como uma peça de roupa feita à mão: respeita o tecido original, mas adapta-se aos tempos e aos gostos de quem a escuta.

O disco abre com “Bravos”, uma adaptação vibrante de “Os Bravos” de José Afonso. Não me pareceu acidental a escolha desta faixa para dar o pontapé de saída deste álbum: a coragem e a resistência cantadas pelo eterno Zeca Afonso encontram eco na vontade de Van Zee e FRANKIEONTHEGUITAR de desafiar convenções musicais. A produção é arrojada, misturando elementos electrónicos com uma base folk, criando uma ponte direta entre a herança portuguesa e uma estética mais global. “Nessa Chama”, uma releitura de “Carta” dos Toranja, dá continuação à viagem pelas memórias da música portuguesa. Aqui, a melancolia da versão original ganha um novo fôlego com batidas mais pronunciadas e sintetizadores discretos. A voz de Van Zee traduz a vulnerabilidade nas relações de forma sincera, mantendo a profundidade emocional que marcou a canção. 

“Quem És Tu?”, reinterpretando “Quem És Tu, Miúda” d’Os Azeitonas, mantém o espírito festivo do original, mas eleva-o com uma produção mais complexa. A linha de baixo marcante e os grooves funk transformam a faixa num hino dançante, sem perder a reflexão sobre identidade e autodescoberta. A meio da jornada, “Atitude” surge como um manifesto de autenticidade. Inspirada em “Sinónimos” de Johnny Virtus (aka Virtus), a faixa mantém a cadência hip-hop, mas adota uma produção mais polida. Van Zee aborda a busca pela essência verdadeira numa interpretação que equilibra a força das palavras com uma produção rica em detalhes.

“O Amor É mm Assim, Mas…” segue a mesma linha, transformando a balada soul “O Amor É Assim” dos HMB com Carminho numa peça electrónica delicada. As camadas de sintetizadores conferem uma aura etérea, enquanto Van Zee explora as nuances das relações modernas. Em contrapartida, a suavidade desta faixa contrasta habilmente com a energia de “Ainda Prendes O Cabelo”, uma releitura de “Tu És A Que Eu Quero – Tu Não Prendas O Cabelo” do fenómeno José Pinhal. Nesta, a sensualidade do original é mantida, mas a produção minimalista permite que cada acorde e cada palavra ressoem com clareza.

O ponto alto emocional do álbum é talvez “Insular”, inspirado em “Porto Santo” de Maximiano De Sousa (aka Max). Esta faixa não só presta homenagem às raízes madeirenses de Van Zee, como também encapsula o sentimento de saudade e pertença. A fusão de elementos tradicionais com batidas contemporâneas cria uma sensação agridoce, reforçando o caráter introspetivo do álbum. Já perto do final, “Trágico” revisita “O Amor é Mágico” dos Expensive Soul, mas subverte a alegria do original com uma abordagem mais sombria. As influências de R&B são claras, e a letra, mais introspetiva, questiona as desilusões amorosas.

“Como Seria? / Amor Sóbrio”, com vestígios de “Diz-me Só” de Deau com Bezegol, é uma faixa envolvente que mistura introspeção lírica com guitarras suaves e melódicas. A produção, com toques de indie e lo-fi, cria uma atmosfera emocionalmente rica e reflexiva. O álbum encerra com “Fica Só.”, uma fusão de “Só Te Falta Seres Mulher” de B Fachada (aquela linha de piano é inconfundível!) e “Manga” de Mayra Andrade. A produção rica em texturas, combinada com letras que falam sobre independência e autoconhecimento, deixa uma sensação de conclusão – como se cada faixa tivesse sido uma peça de alta costura, trabalhada com um detalhe quase artesanal.

ALTA COSTURA não é apenas um exercício de nostalgia, é uma declaração de amor à música portuguesa e uma prova da relevância intemporal das canções adaptadas. Ao revisitá-las com respeito e ousadia, Van Zee e FRANKIEONTHEGUITAR não só apresentam o passado ao presente sob uma nova perspetiva, mas também garantem que estas canções continuem a ressoar com força nas gerações atuais e futuras. Não é qualquer um que o faz, muito menos com esta qualidade, e é por isso que este disco ganha também a forma de um testemunho da versatilidade e criatividade de Sebastião e Francisco, que provam saber honrar magistralmente a tradição enquanto a equilibram com a inovação.

Nascida e criada em Aveiro, mas com a Covilhã sempre no coração, cidade que a acolheu durante os seus estudos superiores. Já passou pelo Gerador, e pelo Espalha-Factos, onde se tornou coautora da rubrica À Escuta. Uma melómana sem conserto, sempre com auscultadores nos ouvidos e a tentar ser jornalista.
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(Re)leituras que vestem a tradição com modernidade.

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