20 anos das inseguranças cantadas de Silent Alarm

A primeira vez que ouvi Silent Alarm não gostei. Tinha 17 anos. Adorava Franz Ferdinand, Arctic Monkeys, The Strokes, Kaiser Chiefs (lol). Porém, não conseguia gostar de Silent Alarm e dos Bloc Party.

Mantive essa relação com o disco de estreia da banda britânica até aos meus 20 anos. Nessa altura, “This Modern Love” (re)entrou-me pelos ouvidos através de uma rádio do Spotify e deixou-me sem chão. De repente, essa belíssima canção de amor, que antes não significava nada, passou a significar tudo. As grandes canções são assim. De vez em quando, entram de rajada e mudam a tua perceção de um disco, mudam a tua vida. Voltei a ouvir Silent Alarm. Apaixonei-me. Pelo álbum e literalmente. Hoje, é um dos meus álbuns favoritos de sempre. Não posso dizer o mesmo dos Bloc Party.

Silent Alarm é um daqueles discos que me fez mais sentido com o passar do tempo. Na minha adolescência, preferia o que outras bandas cantavam. Preferia as cantigas sobre amores noturnos (caso dos Arctic Monkeys), sobre querer ser fixe (os Strokes), sobre ser fixe e estranho (os Franz Ferdinand, os Yeah Yeah Yeahs). Os Bloc Party, porém, não cantavam sobre nada disto. Kele Okereke (voz, guitarra, letra), Russell Lissack (guitarra), Gordon Moakes (baixo) e Matt Tong (bateria) cantavam sobre o amor e sensualidade através de um filtro de insegurança. Cantavam sobre o medo de crescer, sobre as ânsias de ter 20 e poucos anos em meados dos anos 2000. Muitas delas não se alteraram nos últimos 20 anos. Pelo contrário, só pioraram. Será possível ter uma casa? A Guerra ao Terror ainda é uma cena? Haverá sequer futuro?

Estando agora mais próximo dos 30 que dos 20 (estranho para mim escrever isto), vejo Silent Alarm como um disco que encapsula a tensão presente por simplesmente existirmos durante estes anos. Essa tensão encontra-se resumida num dos versos mais fortes do álbum – “The fear and the yearning / It’s gonna eat you alive” – da fenomenal “Positive Tension”, uma das melhores canções de Silent Alarm e da discografia Bloc Party. É a minha canção favorita da banda.

Tensão é mesmo a palavra certa para descrever a musicalidade de Silent Alarm. O disco vive de constantes guitarras angularmente inquietas do início ao fim, das interações constantes entre a secção rítmica da banda (o verdadeiro motor das canções nos primeiros anos dos Bloc Party), do espaço ocupado por cada instrumento nestas canções. São estas as razões para que Silent Alarm, 20 anos depois do seu lançamento a 2 de fevereiro de 2005, seja relatado como influência em artistas que vão desde Nilüfer Yanya aos Paramore, de English Teacher a Honeyglaze. É o disco de estreia de uma banda que desejava fazer um álbum de rock, mas que acabou por fazer algo que é muito mais que um mero disco construído em torno dos sons de uma guitarra.

Para quem busca canções preenchidas por múltiplas cores apesar de texturas gélidas, Silent Alarm está cheio delas. Durante a gravação do álbum, isto foi algo trabalhado pela banda com o produtor de Silent Alarm, Paul Epworth (sim, esse mesmo que veio a trabalhar com a Adele). Em 2005, Epworth estava dividido entre o indie, o hip-hop e a eletrónica. A sua versatilidade foi crucial para os Bloc Party chegarem àquilo que pretendiam com o seu álbum de estreia: fazer um disco rock que, na realidade, era um disco de música de dança.

Em 2005, numa entrevista ao guia de cultura Free Williamsburg, Kele Okereke explicou a relação entre as guitarras e a música de dança presente em Silent Alarm. Quando Russell Lissack e Kele Okereke, os fundadores da banda, começaram a tocar juntos em 1999, eram apenas dois miúdos “que gostavam de rock a tocar guitarras”. Entre 1999 e 2003, ano em que os Bloc Party assumem definitivamente o nome pelo qual são conhecidos (antes, tinham-se chamado Union, The Angel Range e Diet), Russell e Kele passaram a gostar de música de dança. Tudo mudou. “Passamos a olhar para música de forma diferente”, confessou Kele nessa entrevista. “Ficamos mais cientes do espaço, atmosfera e ritmo na música. Tornou-se uma parte muito importante do nosso som”, conclui o vocalista, guitarrista e letrista da banda. Com isto em mente, os Bloc Party não seriam apenas os próximos Franz Ferdinand, não seriam só mais uma banda capazes de mudar vidas, só uma boa banda de tributo aos Gang of Four (nunca o foram com um baterista tão incrível como Tong), só mais uma banda de FIFA-core. Com Silent Alarm, passariam apenas e só a serem os Bloc Party. Primeiros e únicos.

A ciência sobre a qual Kele falava em 2005 nota-se ao longo de toda a duração de Silent Alarm. É daí que surge grande parte da tensão que existe nestas canções e que ajuda a tornar malhas como “Banquet” (se há definição musical para guitarras angulares, é esta canção) ou “She’s Hearing Voices” em verdadeiros malhões dançáveis. Mesmo quando o disco abranda para canções como “Plans” (maravilhosa) ou “So Here We Are” (uma das canções mais fracas do álbum), existe sempre um beat, um groove presente.

Parte dessa razão é que grande parte destas canções nasceram primeiro com a bateria. A entrada de Matt Tong para a banda em 2002, junto com Russell Lissack, transformou os Bloc Party. Com Tong, baterista versátil e musculado, os Bloc Party conseguiram realizar a sua visão do que era a sua ideia de rock. Em “Like Eating Glass”, canção estupenda que abre o álbum, apresentam-nos logo a sua utopia rockeira. A partir daí, é deixarmo-nos ir com o flow. A aclamação, em 2005, foi merecida. Quando chegamos a “Compliments”, canção bastante mais eletrónica que o restante disco, estamos mais que satisfeitos – e a ouvir o que seria o futuro dos Bloc Party. Seria o caminho de experimentação que os Bloc Party apresentariam nos trabalhos seguintes: A Weekend in the City (2007) e Intimacy (2008).

Não tenho grande ligação a mais nenhum dos discos dos Bloc Party. Nem eu nem grande parte da crítica especializada. Gosto de A Weekend in the City – prefiro os B-sides desse disco ao próprio disco, contudo – e não ligo nada a Intimacy. Todavia, acho FOUR (2012), o disco seguinte dos britânicos, bastante subvalorizado. É um disco mais musculado que os anteriores, mesmo que algo inconsistente na qualidade das malhas. É bom.

FOUR foi o último disco dos Bloc Party gravado com a formação de Silent Alarm. Em 2013, Matt Tong abandonaria a banda para perseguir coisas mais interessantes para a sua carreira, como os Algiers. Em 2015, Lissack também abandonou os Bloc Party, deixando para trás apenas os dois fundadores da banda. Os Bloc Party fizeram mais dois discos depois disso. O mui-bizarro Hymns (mais próximo da eletrónica e da synthpop) e o decente Alpha Games (2022), talvez o disco mais próximo de Silent Alarm em sonoridade. Afinal, a nostalgia vende. Até demais.

Atualmente, os Bloc Party estão a fazer uma digressão que celebra os 20 anos de Silent Alarm. Cheguei a comprar um bilhete para ir vê-los tocar o álbum na íntegra ao Reino Unido em meados de 2024, mas depois pensei: por muito que goste do disco, será que queria mesmo ceder a essa nostalgia? Os Bloc Party de agora não são aqueles que gravaram Silent Alarm e eu não devia querer fingir que tinha crescido com estas malhas. Afinal, não gostei de Silent Alarm durante muito tempo. Mas gostei de Silent Alarm quando mais precisava. É um disco ao qual regresso quando preciso de me lembrar que os vintes, afinal, são um santo putedo. E que no final, vai ficar tudo bem. Às vezes, só precisamos desse conforto. Duvido que seja o único.

Cucujanense de gema, lisboeta por necessidade. Concluiu um curso de engenharia, mas lá se lembrou que era no jornalismo musical e na comunicação onde estava a sua vocação. Escreveu no Bandcamp Daily, Stereogum, The Guardian, Comunidade Cultura e Arte, Shifter, A Cabine e Público, foi outrora co-criador e autor da rubrica À Escuta, no Espalha-Factos, e atualmente assina textos no Rimas e Batidas e, claro está, na Playback, onde é um dos fundadores e editores.
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Rock dançável, inseguro e sensível.

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