riscos.

Entre os vinte e sete mil CDs que fui acumulando ao longo dos anos, havia um que a aparelhagem nunca reconhecia quando o colocava na bandeja. À primeira vista, nada faria pensar que estaria danificado: a caixa estava impecável, não tinha sofrido quedas, não era um CD-r, e ao virá-lo não havia quaisquer marcas (visíveis, pelo menos) que pudessem denunciar a sua aversão a funcionar. Fui deixando o dito cujo numa das muitas pilhas encostadas à coluna direita, aquelas que se vão formando apesar da muito boa vontade que se tem em devolver conscienciosamente todos os CDs à estante no final de cada escuta. Volta e meia lá me lembrava da sua existência, abria a caixa, e colocava novamente o disco na bandeja, como se por obra e graça do espírito santo ele fosse decidir, do nada, voltar a funcionar. E claro que a cada uma dessas tentativas lá aparecia a malfadada mensagem de “no disc.” Encolhia os ombros, voltava a guardá-lo na caixa, e devolvia-o a uma das vertiginosas torres ao lado.

Passaram-se meses, anos talvez, até ao dia em que ao executar mais uma dessas manobras de muda-o-disco, voltei a pegar no tal CD e a aparelhagem resolveu miraculosamente lê-lo. Dei um suspiro audível quando apareceu o running time e o número de faixas no visor, indicando que estava pronto a ser escutado. Até senti uma pontada de excitação quando o meu dedo carregou no play, tremendo como acontece numa primeira vez. Mas quando a música começou finalmente a sair das colunas, límpida e sem sobressaltos, o gosto amargo da desilusão subiu-me à boca. É que com toda esta novela tinha-me esquecido que eu nem sequer gostava daquele disco.

Ilustração: Inês Aleixo (@0xiela)

tripeira de nascimento, parisiense por adopção. já escarafunchou muita arte, pisou muito palco, escreveu para muito sítio, e deitou muita carta. doutora em quebrar corações (e não só) e eterna electroclasher.
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