Um sonho chamado Billie Eilish

Olho à minha volta e sinto que este mundo está a apodrecer cada vez mais. Já não consigo ter esperança na humanidade. Lamento. Tanta coisa monstruosa a acontecer nos últimos tempos que até o mundo da música se tornou numa vítima. Na verdade, sempre foi. Talvez nós é que nunca quisemos aceitar a pura realidade que tem tanto de dura como de cruel, e o caso polémico de Hollywood que tem vindo a abalar tantos de nós é a confirmação dessa mesma realidade.

Não é preciso estar-se por dentro da indústria musical para saber o quão perigosa ela pode ser. Toda a polémica que envolve P. Diddy, um dos maiores produtores musicais de sempre, e outros tantos nomes de peso, trouxe à tona questões sobre abuso de poder, exploração e o ambiente tóxico que é frequentemente vivido nos bastidores do sucesso. Por trás das luzes da ribalta e dos números astronómicos de streaming, há uma realidade perturbadora que, muitas vezes, pode ser sufocante para os artistas, principalmente para os mais jovens e vulneráveis. Mas, lá está, isto não é um cenário novo. Há décadas que figuras de renome se servem da sua influência e do seu poder de formas extremamente perigosas, moldando carreiras, mas também destruindo sonhos e manipulando artistas que, muitas vezes, têm pouca ou nenhuma proteção.

É-me impossível não pensar em artistas como uma Billie Eilish, uma miúda que ascendeu ao estrelato num piscar de olhos. É-me impossível não pensar em como ela poderia tornar-se facilmente um alvo para pessoas como P. Diddy. Mas gosto de pensar na sorte que teve em ter ao seu lado um anjo da guarda chamado Justin Bieber – “Só a quero proteger. Não quero que ela passe por nada daquilo que eu passei, aliás, não desejo isso a ninguém”, como o próprio já afirmou.

Billie Eilish que lançou aquele que é, para mim, o melhor disco deste ano até à data, HIT ME HARD AND SOFT. Um disco que ganha ainda mais força neste contexto ameaçador em que artistas como Billie estão inseridos – uma indústria que pode ser tão acolhedora quanto destrutiva. Sim, é sobre este disco que me vou debruçar, embora não pareça. Mas senti uma grande necessidade de fazer este fio condutor. O caso do P. Diddy fica talvez para uma próxima edição, quem sabe. Até porque tem muito pano para mangas.

HIT ME HARD AND SOFT não é nada mais nada menos do que uma exploração profunda das experiências e emoções de Billie, fundindo vulnerabilidade e força tanto nas letras como na sonoridade. 

Os arrepios pelo corpo todo começam a manifestar-se logo na abertura do disco ao som de “SKINNY” que surge em forma de uma reflexão crua sobre questões de autoimagem e vulnerabilidade. Billie optou por uma produção minimalista com acordes suaves e camadas de vocais delicados que acabam por acentuar o peso emocional da letra. Há uma transição perfeita entre “SKINNY” e a faixa que se segue, “LUNCH”, que traz uma mudança de tom — apresenta uma batida mais animada com um toque humorístico, enquanto explora o mundano e a superficialidade das interações modernas. Numa estrutura mais pop, transparece um equilíbrio entre o humor negro e a crítica social.

Para “CHIHIRO”, Billie inspirou-se no filme Spirited Away. Não é à toa que esta faixa se destaca pela influência cinematográfica que carrega, capturando uma produção atmosférica que transpira nostalgia e uma ambiência q.b. psicadélica. É uma faixa brutal que nos transporta a um estado de levitação nos crescendos intensos, viciantes e fáceis de ingerir. Em “BIRDS OF A FEATHER” adota um estilo mais acústico, trazendo harmonias que tanto remetem à solidão como à ideia de um amor que transcende o tempo e o espaço. Billie canta sobre relações simbióticas e o quanto nos moldamos pelos outros, com uma sonoridade que faz lembrar o folk contemporâneo.

Num tom ainda mais leve e quase etéreo surge “WILDFLOWER,” com uma sonoridade que funde o indie pop com influências de dream pop, criando uma sensação de libertação e renascimento. “THE GREATEST” apresenta-se como uma balada fortíssima, tanto a nível lírico como a nível sonoro, pelo menos até a faixa explodir quase no final com uns vocais estrondosos e umas texturas sonoras pesadas. Com uma produção orquestral, é uma das canções mais densas e cruciantes do álbum. E ah, embora já tenha lido mil e uma interpretações diferentes desta canção, continuo a olhar para ela enquanto um reflexo do impacto da fama (meio que irónico depois da minha introdução).

Em “L’AMOUR DE MA VIE”, Billie surpreende ao introduzir elementos de chanson française com arranjos suaves e poéticos. Nesta, Billie mostra-se uma vez mais vulnerável mas sem perder a sua habitual autenticidade, abordando o amor de uma forma mais crua e realista, sem panos quentes. Começamos por nos sentir os seres mais serenos deste mundo até sermos invadidos por um sentimento de êxtase puro a partir do momento em que entram umas batidas que fazem os nossos corações bater mais forte e põem qualquer um em transe. De seguida, ouve-se “THE DINER” que se trata de uma faixa experimental, com toques electrónicos e uma narrativa que parece desenrolar-se como uma cena retirada de um filme, onde a tensão e a repetição originam uma atmosfera envolvente e surreal.

O disco termina com “BITTERSUITE” e “BLUE”, duas canções que registam a dualidade sugerida no título do álbum. “BITTERSUITE” começa de forma melódica e suave, antes de se converter num segmento mais tenso e obscuro. Os versos exploram temas como aceitação e luto, enquanto a produção alterna entre o minimalismo e o caos. “BLUE” é o final perfeito, com uma melodia melancólica mas que oferece uma sensação de resolução. Aqui, a sonoridade é simples, sendo que o centro das atenções vão para os vocais delicados de Billie e um piano ténue, fechando o álbum num tom de alívio.

HIT ME HARD AND SOFT é uma obra-prima que consolida o lugar de Billie Eilish como uma das artistas mais versáteis e arrojadas da sua geração – mas atrevo-me a dizer que talvez o resultado não soasse tão perfeito se Billie não se tivesse juntado ao seu irmão FINNEAS, que tem vindo a revelar umas skills cada vez mais geniais de produção musical. HIT ME HARD AND SOFT é uma prova da boa música feita nos dias de hoje. Explorando temas universais com uma abordagem extremamente pessoal, o álbum mergulha entre o etéreo e o real, atingindo um equilíbrio saudável entre momentos de pura simplicidade e produções grandiosas. Mais do que um álbum pop, é uma jornada emocional que nos conquista tanto com delicadeza quanto com força. Billie Eilish continua a provar que o seu trabalho transcende fórmulas fáceis, concedendo algo genuinamente autêntico e desafiador.

Nascida e criada em Aveiro, mas com a Covilhã sempre no coração, cidade que a acolheu durante os seus estudos superiores. Já passou pelo Gerador, e pelo Espalha-Factos, onde se tornou coautora da rubrica À Escuta. Uma melómana sem conserto, sempre com auscultadores nos ouvidos e a tentar ser jornalista.
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A voar cada vez mais alto.

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