Ana Mariano na FNAC Aveiro: um amor de verdade

Uma vez uma amiga minha disse-me que os meus textos parecem um diário. Cada vez mais concordo com isto. Confesso que sempre tive dificuldade em expor-me, mas na escrita acontece o oposto, principalmente quando a música é o fio condutor. E este pequeno relato que vos faço surge a propósito de um pequeno e bonito concerto que tive o enorme prazer de presenciar no passado dia 8 de setembro na FNAC de Aveiro. Saí de lá com o coração quentinho e com tanto para partilhar com vocês. Ora aqui vai mais um capítulo do meu diário.

Não sei se estão a par do talento imensurável de Ana Mariano, se não estão façam o favor de ir ouvir o seu disco Nuvem e, caso queiram ir mais a fundo, ide ler a entrevista que lhe fiz aqui para a Playback. Sou suspeita, mas vale a pena.

Na verdade, poderia ter escolhido outro concerto qualquer da Ana Mariano para vos reportar – um concerto mais produzido, por exemplo – como é o caso do concerto que vai acontecer esta sexta-feira (20) no Auditório Carlos Paredes, em Lisboa -, mas este teve um sabor particularmente especial. Isto porque foi mais do que uma simples atuação, foi um regresso à sua origem, às suas raízes, ao sítio onde tudo começou. Aveirense de coração, Ana Mariano estava literalmente em casa e vê-la cantar e tocar na sua cidade-natal, rodeada de familiares e amigos “que a viram crescer”, como a própria mencionou, trouxe uma dimensão única à sua performance. Naquele momento, criou-se um ambiente (diga-se) familiar, onde a música fluía em sintonia com as emoções de todos os que ali estavam presentes. Cada aplauso parecia ecoar não só como constatação do seu talento, mas também como celebração de quem ela é e de onde vem. Recordo-me de olhar à minha volta e sentir que todas aquelas pessoas não eram apenas uma parte do público; eram igualmente testemunhas de uma jornada carregada de resiliência. O orgulho era notório, transbordava fortemente nas expressões e nos sorrisos daqueles que assistiam. Havia uma sensação de união e de partilha, quase como se cada nota tocada e cada verso cantado fosse um fio a tecer ainda mais forte os laços que uniam aquela pequena e bonita comunidade. Portanto, este concerto não foi apenas sobre música. Foi sobre voltar a casa e partilhar com aqueles que sempre acreditaram em si e no seu talento, tornando o momento ainda mais profundo e emocionante.

Para além disso, o facto de se ter tratado de um concerto intimista, todo ele acústico, marcado por um dedilhar ténue de guitarra, fez elevar mais ainda toda esta atmosfera de familiaridade e proximidade emocional de que vos tenho vindo a falar. Nem os problemas técnicos tiraram o brilho deste momento. Bastou a Ana Mariano pouco mais de meia-hora para revelar a intensidade e a vulnerabilidade que paira sobre o seu disco Nuvem, acompanhada pela belíssima Sara Cruz à guitarra, num formato totalmente despido e puro.

O concerto, que contou com seis faixas de Nuvem, trouxe à tona a magia do acústico. Ouviu-se “Esse Teu Riso” (os picos de emoção foram sentidos com intensidade), “Deixa O Sol Entrar” (ofereceu uma calmaria contemplativa), “Histórias” (levou a plateia a transcender), “Senhor Pintor” (teve direito a um tímido mas belo coro por parte do público), “Afinar Silêncios” (um autêntico mantra que arrepiou a pele) e “Recomeço” (concluiu o concerto com uma energia deslumbrante). Num mundo onde a música é frequentemente talhada por camadas de efeitos e produção, o formato acústico oferece uma experiência inigualável: a oportunidade de ouvir a canção na sua forma mais pura. Unicamente voz e guitarra, sem filtros ou adornos. É quase como se, por um momento, pudéssemos sondar a alma da música, desprovida de distrações, onde cada acorde parece ecoar com mais verdade e cada palavra é carregada de propósito. No caso de Ana Mariano, esta abordagem confirmou não só o talento vocal, mas também a sensibilidade nas suas composições, permitindo que o público mergulhasse de forma mais profunda nas suas letras e melodias. E com isso capturou-nos ainda mais o coração. Digam o que disserem, Ana Mariano é uma das melhores cantautoras que por aí andam no nosso país.

Para mim, estas duas perspetivas foram suficientes para tornar este concerto mais do que uma experiência musical. Revelou-se uma oportunidade de ver a evolução de uma jovem artista que está apenas no início de um bonito caminho, mas que já seduz corações com a sua autenticidade. Ana Mariano, que começou por conquistar o seu público local, está agora a trilhar um caminho de crescimento constante, e momentos como este são marcos importantes no seu percurso. Um caminho que tem vindo a ser feito não só de esforço, dedicação e luta, mas também da sua capacidade de aceitar com serenidade o que a vida e a música lhe oferecem. É neste processo de aceitação que reside a sua força maior, uma qualidade que todos devemos adquirir: aceitar o que nos é dado, com a mesma leveza e verdade com que Ana Mariano nos entrega a sua arte (obrigada por me mostrares isso, Ana!).

Ana Mariano é certamente a cura sagrada para as nossas feridas e a sua música é certamente “um lugar seguro”.

Ah, espero que tenham a sorte e o privilégio de ir vê-la hoje no Auditório Carlos Paredes, em Lisboa. Começa às 21:30. E estes três maravilhosos – INÊS APENAS, Bia Maria e Janeiro – também vão subir ao palco. O concerto promete. Ouvi dizer que vai ser de outro mundo. Não o percam. 

Ana Mariano apresenta Nuvem esta sexta-feira (20) no Auditório Carlos Paredes, em Lisboa. Bilhetes aqui.

Nascida e criada em Aveiro, mas com a Covilhã sempre no coração, cidade que a acolheu durante os seus estudos superiores. Já passou pelo Gerador, e pelo Espalha-Factos, onde se tornou coautora da rubrica À Escuta. Uma melómana sem conserto, sempre com auscultadores nos ouvidos e a tentar ser jornalista.
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Profundo e emocionante.

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