Editorial #28

Acordei e olhei pela janela. Vi uma tenda montada ao longe, rodeada de um monte de lixo. Ao lado dela, um inspetor pedia para uma esplanada ser levantada enquanto um senhor de média estatura lhe tentava pedir dinheiro. Um carro estacionava ao lado disto tudo. Nada realmente se passava. Esfreguei os olhos e tudo desapareceu. Um carro estacionou no sítio onde antes estava a esplanada. A tenda ainda lá estava.

Na cidade, o calor durante o dia era infernal e o frio da noite tornou-se insuportável. À noite, as estrelas escondiam-se por trás da luz; durante o dia, o cantar dos pássaros mal se escutava por debaixo das sirenes, carros, ruídos. Ruído como nunca. 

Na minha cabeça, vozes. Dizem que tudo está errado, que não há solução. Olho para baixo e vejo que a minha casa está prestes a ser demolida. Alguém grita: “O senhor está pronto para ir embora para a sua casa se transformar num novo parque de estacionamento?” 

Olho para baixo e penso: foda-se, é o fim do mundo e estou só em cuecas.

Cucujanense de gema, lisboeta por necessidade. Concluiu um curso de engenharia, mas lá se lembrou que era no jornalismo musical e na comunicação onde estava a sua vocação. Escreveu no Bandcamp Daily, Stereogum, The Guardian, Comunidade Cultura e Arte, Shifter, A Cabine e Público, foi outrora co-criador e autor da rubrica À Escuta, no Espalha-Factos, e atualmente assina textos no Rimas e Batidas e, claro está, na Playback, onde é um dos fundadores e editores.
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