St. James Park e o libertar de todas as amarras

Desde cedo se percebeu que Tiago Sampaio – mais conhecido por St. James Park – viria a destacar-se como um artista de mão-cheia. Para vos comprovar do que estou a falar, há que refletir sobre o seu percurso musical.

Antes de St. James Park se apresentar com Highlight, em 2020 – já lá vamos -, Tiago lançou-se enquanto one-man-band sob o nome de Grandfather’s House. Mais tarde, juntou-se a sua irmã Rita Sampaio (IVY, Isa Leen), na voz e sintetizadores, e João Vítor Costeira, na bateria – posteriormente, substituído por Ana João Oliveira. Grandfather’s House nasceu com uma sonoridade sombria e introspetiva, ora com cruzamentos entre rock e blues – é o caso do EP Skeleton -, ora com cruzamentos entre rock e synth-pop – Slow Move é exemplo disso. Já em Diving, considerado por vários meios de comunicação social um dos melhores álbuns nacionais do ano de 2017, a banda conseguiu construir temas mais pesados, com contornos eletrónicos e texturas cósmicas, inovando e elevando a qualidade do seu trabalho. Depois de anos de experimentação para definir qual o caminho a seguir a nível artístico, Tiago encontrou finalmente a resposta com St. James Park.

St. James Park. Fotografia: André Alves
St. James Park. Fotografia: André Alves

Foi com o álbum de estreia Highlight que St. James Park mostrou justamente a sua destreza virtuosa na produção de sonoridades quentes e envolventes, bebendo influências de estilos como eletrónica experimental, hip-hop e música clássica, enquanto deixava transparecer o que é lidar com e viver entre altos e baixos emocionais, refletindo a dualidade da vida. Seguiram-se colaborações e remixes para bandas nacionais como First Breath After Coma, Gator, The Alligator e Sensible Soccers, chegando ele a integrar o álbum Oasis Nocturno (Remixed) de TOKiMONSTA. Depois disto, Tiago começou a mergulhar cada vez mais a fundo na eletrónica experimental. O EP Rewind, editado em 2022, com uma abordagem mais clubbing e dançável, veio dar-nos um cheirinho disso, mas as provas recaem essencialmente sobre os curta-duração The Mad e Fátima EP. Aqui, St. James Park envolveu-se num registo instrumental e vanguardista a partir de experimentações pouco ortodoxas, camadas de som vibrantes e uma atmosfera futurista. 

Mas onde eu quero realmente chegar é a Modern Loneliness, o seu segundo longa-duração, editado a 15 de março pela Cosmic Burger. Modern Loneliness, além de ser a grande afirmação de St. James Park, é possivelmente o seu trabalho mais ambicioso até hoje. Quem tem vindo a acompanhar Tiago Sampaio, consegue identificar, neste álbum, uma necessidade extrema de explorar novos estilos musicais – alguns que ainda não tínhamos tido a oportunidade de vê-lo a trabalhar – e, por sua vez, de sair da sua zona de conforto. Como é que fez isto acontecer? St. James Park convidou onze artistas portugueses – grande parte deles emergentes – para se juntarem a ele nesta nova viagem pelo universo eletrónico experimental, que oferece uma infinidade de cenários, emoções e memórias a partir de uma imensidão de linguagens sonoras livres e experimentais.

O alinhamento das faixas garante um passeio sonoro diversificado – e deveras dançável – do início ao fim do disco, começando com “Soho” (com Maudito) que apresenta um flow impecável, um punhado de rimas aguçadas e, por sua vez, o melhor refrão do álbum. É seguido imediatamente por “Eu Caio”, que intercala os encantos vocais de Bia Maria com umas batidas que nos fazem levitar. “Feitiço” (com Isa Leen e Sónia Trópicos), discutivelmente o melhor tema deste longa-duração, e “B4U” (com Cálculo, y.azz e Birou), manifestam uma energia exorbitante e cativante que nos faz tirar os pés do chão quase por instinto e uma sensualidade sutil capaz de dissolver até mesmo o cubo de gelo mais intacto presente no último copo da noite. A primeira, a puxar mais para os afrobeats, e a segunda, a beber da fonte do R&B, são exemplos perfeitos de um St. James Park a sair da sua zona de conforto. O resultado? Bangers autênticos. 

Já em “p̥ͦ (̥ͦ4̥ͦ4̥ͦ)̥ͦ ❁” (com EVAYA) e “On My Shoulder” (com Rui Gaspar), ouvimos um St. James Park mais próximo do seu universo sonoro. São canções excitantes, fruto das oscilações rítmicas que proporcionam um efeito terapêutico e contrastam com os versos. Recomendação: fechem os olhos e permitam que a vossa mente seja transportada para longe da realidade. “Sempre em Vão” (com redoma) foi amor à primeira vista, com uns vocais que tanto transpiram vulnerabilidade como confiança, evocando um tremer inquietante – Carolina Viana, metade das redoma, sempre teve este dom. Em “For Your Love” (com MAFALDA) tudo se desenrola calma e organicamente deixando-nos presos num loop de batidas e num estado de transe por toda a beleza avassaladora em volta.

Para aqueles que têm um paladar diversificado, esta refeição sonora, digna de um restaurante de três estrelas Michelin, oferece uma variedade de sabores que a tornam completa e satisfatória. No fim de contas, este é um disco versátil, vibrante e viciante, da primeira à última faixa, do primeiro ao último segundo. Acreditem que é assim tão bom. As expectativas eram altas, mas St. James Park certificou-se de elevar, muito mais, a fasquia. Em Modern Loneliness, St. James Park demonstra uma identidade vívida e enérgica, prometendo um futuro risonho no que diz respeito à sua posição no panorama da música eletrónica experimental atual.

Nascida e criada em Aveiro, mas com a Covilhã sempre no coração, cidade que a acolheu durante os seus estudos superiores. Já passou pelo Gerador, e pelo Espalha-Factos, onde se tornou coautora da rubrica À Escuta. Uma melómana sem conserto, sempre com auscultadores nos ouvidos e a tentar ser jornalista.
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Experimentalismos de eletrónica que conduzem ao êxtase.

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