Abril pode bem ser águas mil (embora isto com as alterações climáticas possa dar em tudo desde neve a temperaturas de julho), mas também marca o início da época de festivais. Enquanto que o primeiro trimestre do ano serve principalmente para terminar balanços, pôr música nova cá fora, e começar a desenhar uma ideia do que se quererá ver ao vivo aparecendo a oportunidade, a partir da primavera a vibe muda para uma versão mais outdoor.
Não é que este tipo de dinâmica não venha com o seu quê de desânimo. Como escrevia a Rute na semana passada, a exasperação mais ou menos generalizada face a uma indústria que além de vorazmente cruel parece apostar cada vez mais na propagação do pseudo-evento do que no evento em si (uma estratégia que simultaneamente alimenta e é alimentada por um meta-liberalismo devocional), acabando muitas vezes por deixar um sentimento de vazio quando deveria provocar o exacto oposto.
No presente turbilhão sócio-político-cultural-tudo em que por cada passo dado somos sistematicamente obrigados a recuar um outro tanto, qualquer solução real ou sugerida nunca é de aplicação simples nem homogénea. Mas neste caso particular de celebrações musicais colectivas a dificuldade é elevada ao cubo pelas sucessivas tentativas (frequentemente bem-sucedidas) de mercantilização duma ligação emocional. Removermo-nos da equação não é opção; mas esta alquimia perversa faz com que muitas vezes partamos em direcção a algo que mexe intimamente connosco de disposição contrariada.
É imperativo que voltemos a reclamar a relação que temos com a música para nós, admitindo o quão inescapável é pensá-la fora dum sistema do qual fazemos inerentemente parte mas evitando dá-la de mão beijada aos tentáculos impiedosos dum Midas que transforma em mercadoria tudo o que toca. Porque, no final, o que fica é o que levamos no coração; tudo o resto é inevitavelmente reduzido a pó.