Em 2004 havia três músicas que estavam em todo o lado. Uma era “Bohemian Like You” dos Dandy Warhols, que apesar de datar duns quatro anos antes tinha feito um early revival graças a uma empresa de telecomunicações que a usou ad nauseum quer nos anúncios quer como música de “a sua chamada é muito importante para nós, por favor não desligue”. A outra era, sem qualquer surpresa, “Força” de Nelly Furtado, o tão amado hino do Euro 2004 cujo refrão o meu baixista insistia em cantar “come-me à força”. A terceira era “Feeling Alive” do Gomo.
“Feeling Alive” encapsulou na perfeição o estado intermediário da sua época. Numa altura em que artistas nacionais cantando em inglês navegavam uma semi-demonização exemplificada pela passivo-agressividade da insistência no “mas porque é que as letras não são em português?” durante entrevistas, “Feeling Alive” trouxe a leveza necessária para o fecho da primeira era digital, quando tudo ainda parecia inconsequente e—atrevo-me a dizer?—divertido. O próprio vídeo celebrava essa inocência num hino ao DIY que rodou sem cessar tanto na saudosa Sol Música como na recém-nascida MTV Portugal, valendo a Gomo uma nomeação para Best Portuguese Act nos MTV EMA desse mesmo ano. As vibes solares de boy next door aliadas a um riff e refrão estupidamente orelhudos faziam com que ninguém ficasse indiferente ao fenómeno por mais que não fosse a sua praia (tenho inclusive um vídeo extremamente pixelizado do meu baterista a dançar a “Feeling Alive” num quarto de hotel durante a tour de Rope desse verão), e a música acabou por se tornar no último grande one hit wonder tuga—uma honra que se revelaria simultaneamente a blessing and a curse.
Vinte anos depois, o Miguel Rocha sentou-se com Gomo para revisitar “Feeling Alive” e contar toda esta história com o hindsight particular de quem não a viveu directamente, trazendo memórias de simpler times formadas por arquivos digitais mais ou menos fidedignos. Noutras núpcias playbackianas, a Ana Margarida Paiva traz-nos uma homenagem a (mais) uma vítima da gentrificação, o Mercado Negro de Aveiro; e a Rute Correia continua a sua odisseia pela discografia de Sara Tavares, desta vez com o álbum Xinti, lançado em 2009. Para a rubrica Carte Blanche, recrutámos os Walter Walter.
Quem olha assim de repente para esta edição tudo parece um bocadinho voltado para o passado. Saudosismo em excesso nunca fez bem a ninguém, mas isso não quer dizer que de vez em quando não gostemos de olhar para o álbum de fotos de família; lembrem-se é de fazer cópias porque não há nada mais heartbreaking do que terem as vossas recordações vedadas pela mensagem “file can’t be read.”