É curioso que a primeira edição de 2024 da Playback seja lançada para o mundo meros dias após o anúncio de que a Pitchfork – a principal referência para o universo do jornalismo e crítica musical – vai passar a fazer parte da… GQ. Sim, a GQ. Ah, e que no processo, a Condé Nast, dona da Pitchfork, vai mandar embora grande parte do staff editorial da publicação. A quem não lhes caiu o azar, nem consigo pensar o que lhes vai pela cabeça. Solidariedade com todes.
Quando disse que ia escrever este editorial, não sabia que essa bomba ia acontecer. Descartei o que já tinha escrito e decidi que tinha de vomitar qualquer coisa sobre este tema.
Isto não é um ensaio – longe disso – mas é um desabafo sobre como o universo do jornalismo cultural é absolutamente deprimente, tanto em Portugal como no estrangeiro, e como a sua perda de relevância beneficia apenas e só alguns: Ricos, claro, que pretendem a monopolização total do discurso. Os algoritmos já funcionam a seu favor – portanto, para quê mediadores e curadores que dizem ao rebanho que x é mais interessante que y?
O caso da Pitchfork é apenas mais uma prova de como estamos reféns do capitalismo e de como o jornalismo, nesta era digital, se tornou particularmente no refém de grandes conglomerados como é caso da Condé Nast (que adquiriu a Pitchfork em 2015) ou da Epic Games (que vendeu recentemente o Bandcamp à Songtradr), não consegue arranjar uma forma de subsistir perante os desafios da viragem dos tempos. Para continuar, tem de se vender a estes grandes grupos – e eventualmente a coisa colapsa. Quando é que algo semelhante vai acontecer ao Ípsilon e ser eliminado enquanto suplemento? Ou pior – tornar-se um zombie como aconteceu com a Blitz? Tic-toc, tic-toc.
Há uns dias, numa conversa com um editor de uma revista portuguesa de lifestyle, discutiam-se os baixíssimos valores que se praticam em Portugal pelos mais reputados jornais. 150€ por um perfil no Ípsilon? 40€ por uma reportagem na Blitz? Como é possível ser-se freelance com este tipo de pagamentos? Bem, não é. Nos últimos dez anos, o dinheiro – aparentemente – desapareceu. Para se fazer vida disto, ou se é já um burguês com capital prévio disponível, ou se tem uma sorte descomunal, ou é-se adepto (e capaz de, que não é para todes) de um grindset que já não me assiste desde que saí do Técnico. A concluir a conversa, o editor disse-me que, se alguém querido seu quisesse ir estudar jornalismo, que este lhe diria para não o fazer. É o estado das coisas.
Eu não tenho solução para o problema. A situação é complicada. Acredito, como referi há uns meses num painel de discussão do MIL, que pelo menos em Portugal, a solução começaria por ajudas públicas por parte do Estado para iniciar novos projetos do estilo. Em Portugal, fora o Rimas e Batidas – que, e desculpa-me Rui, é um blogue glorificado (tal como a Playback) –, não existe praticamente imprensa especializada em música (e nem falem do estado das coisas no cinema) para criar um ecossistema de crítica minimamente decente e relevante. Isto leva a vícios. E a indústria musical portuguesa está cheia deles.
Acredito que seria do total interesse duma GDA ou uma SPA apoiar publicamente a criação de uma publicação musical independente e gerida, como a ex-editora da Pitchfork Cat Zhang indicou no seu Twitter (que se foda chamar-lhe X), pelos seus próprios trabalhadores. Além disso, que essa publicação tenha interesse em divulgar artistas novos, emergentes, que faça reportagens das cenas musicais fora dos grandes centros, que investigue as histórias do antigo e de hoje, que permita fazer brilhar a voz de mais escritores que não sejam só aqueles que se enquadrem no mesmo status quo de sempre: cis, hetero, branco.
Mas isto parece tão fácil. Será uma utopia? Ou será que simplesmente essas entidades, na realidade, não têm grande interesse em quebrar o próprio status quo?
Como dizia o Zeca Afonso, “Enquanto há força no braço que vinga” continuaremos a escrever. A luta continua. Até quando? Não sei dizer. O sonho até pode comandar a vida, mas o sonho de fazer carreira do jornalismo é cada vez mais uma realidade distante para o comum mortal.