Finda: Conseguirá Bárbara Bandeira mudar a pop em Portugal?

Já se fizeram todas as contas sobre 2023, certo? Por aqui, ainda não. Antes de partir “oficialmente” para 2024, quis tirar algum tempo para escrever sobre Finda, o disco de estreia de Bárbara Bandeira. Finda era um dos discos que estava mais entusiasmado para ouvir em 2023 por duas razões. 1) a qualidade dos singles de antecipação; 2) durante grande parte de 2023, várias pessoas falaram-me de Finda como o disco que iria mudar a pop em Portugal. E como não acreditar nessa possibilidade? Ver o ponto 1: Os singles – principalmente “Como Tu”, com Ivandro, a música mais escutada no Spotify em Portugal em 2023 – davam a adivinhar isso mesmo. Infelizmente, a primeira escuta de Finda, em outubro passado, foi dececionante. Fora os singles já conhecidos, praticamente tudo me soou a mais do mesmo na pop portuguesa. Porém, ao escutar Finda nas últimas semanas para preparar este texto, dei por mim a perceber que a minha receção inicial foi algo dura. O disco está longe de ser mau, mas duvido que vá mudar o rumo da pop portuguesa.

Em entrevista à NiT, Bárbara Bandeira afirmou que Finda é um projeto “muito mais elaborado” em comparação com os seus anteriores, com um conceito “pensado de raiz”. Antes de Finda, Bárbara Bandeira só tinha lançado um curta-duração – Cartas – e vários singles que se tornaram hits. Mas que conceito habita o universo de Finda? Metamorfose. Existe uma Bárbara antes e depois da Finda. É um clichê da pop, na verdade. Todavia, para Bárbara, isto faz todo o sentido. Entre o lançamento de Cartas, eclético EP construído ao lado de Agir, em 2018 e o lançamento de Finda, a vida de Bárbara mudou drasticamente. A sua relação com Kasha, dos DAMA, terminou (nunca esquecer a bizarria da performance de “Eu Não” nos Prémios PLAY de 2020 tendo em conta os doze anos de diferença entre ambos). Perdeu Sara Carreira, uma das suas melhores amigas. Começou uma relação com Richie Campbell. Abriu para os Coldplay em Coimbra. Entretanto, já esgotou um Campo Pequeno.

Estes eventos fazem parte da génese de Finda. A introdução ao disco (“Finda (Intro)”) é uma ode a Sara Carreira e grande parte das canções de Finda giram em torno de amores e desamores. Em “Defesa”, balada de coração partido escrita com a ajuda de Ivandro a lembrar um EU.CLIDES, Bárbara canta: “Armas-te em orgulhoso e que tens a maturidade / Mas quem te ouvir falar vai sеntir que não mudaste / Eu sei quе fiz de tudo para que resultasse”. É das maiores machadadas do disco num passado que parece estar ainda tão presente, mesmo que Bárbara esteja pronta para abraçar um futuro mais risonho. É nesse sentimento onde a metamorfose final de Finda ocorre – onde o passado se “Cristaliza” e um novo futuro se revela.

Mas nada disto é novo. Cantar sobre amor e desejo ou raiva e zanga faz parte da música pop desde o dia um. Em Portugal, então, nem se fala, especialmente nos tempos mais recentes. O que não faltam são baladinhas à guitarra ou piano com um clímax emocional sobre o assunto. O que distingue a abordagem de Bárbara dos seus contemporâneos é ela própria. Ela canta as suas canções como se estas fossem as mais importantes do mundo. Dentro dela, existe a força e pujança para cantar uma “Skyscraper”, mas também a delicadeza e controlo para cantar mano-a-mano com Carminho numa balada fadística como “Onde Vais”. Além disso, Bandeira tem uma arma secreta que praticamente ninguém tem na pop portuguesa fora do hip hop tuga: um flow impressionante. A sua feature em “Ride”, de Mike11, é das melhores dos últimos anos na tuga. Nessa faixa, Bárbara é a estrela. Sem ela, “Ride” não teria o mesmo encanto.

Um dos fatores diferenciadores de Finda face ao trabalho passado de Bárbara Bandeira são os seus colaboradores. Anteriormente, grande parte das suas canções foram coescritas com Agir (em Finda, Agir coescreveu “Ou Não”) ou produzidas pelo próprio. Em Finda, Bárbara troca o filho de Paulo de Carvalho por novos camaradas. Grande parte das canções do disco foram coescritas com GSON – dos Wet Bed Gang e produzidas pela dupla Ariel e Migz. Nomes como Carolina Deslandes e CHARLIE BEATS também surgem predominantemente nos créditos de Finda. A primeira é creditada como autora em mais do que uma faixa do álbum e o segundo produziu duas malhas do disco: “Ou Não”, primeiro single, e “Mentirosa”.

A presença constante de alguns destes nomes permite que Finda tenha uma paleta sonora afincada. Há guitarrinhas indie por todo o lado e sintetizadores que acrescentam negrume extra a este conjunto de faixas. A influência do trap e R&B encontra-se bem presente ao longo de todo o disco, ajudando Bárbara Bandeira a fechar os últimos espaços existentes entre a pop portuguesa e o hip hop tuga (que em 2023 se assumiu definitivamente como a música popular dominante em Portugal). Nesse aspeto, a figura de GSON ganha particular destaque na construção de Finda. A sua influência sente-se do início ao fim do disco, ao ponto de existir momentos em Finda, como “Mais Eu”, onde o flow de Bárbara Bandeira se aproxima bastante do flow do “menino-prodígio” tornado confirmação da pop tuga. A influência de GSON na pop portuguesa nunca foi tão óbvia como em Finda.

Com isto, encontramos o defeito principal deste longa-duração. Nos seus piores momentos, é derivativo. Uma malha como “Ego”, que conta com o acréscimo da voz de PJ Morton, soa próxima de um “novo fado”, mas sem nada de muito diferenciador (fora a voz) face a outras baladas semelhantes. O interlúdio “Tudo”, cantado por MARO, tinha potencial para ser um dueto estilo “evermore”, mas é apenas uma nota de rodapé à narrativa do álbum. “AAA” soa a uma faixa perdida e aborrecida da trilogia (Trilogy) de The Weeknd. “Carro”, com Dillaz – na sua primeira grande feature na pop – é apenas e só aborrecida. “Não” permite à voz de Bárbara Bandeira brilhar, mas soa a qualquer outra balada ao piano cantada por uma Carolina Deslandes ou uma das suas discípulas – Bárbara Tinoco ou Carolina de Deus. Por outras palavras, estas faixas não revelam a ambição escutada nos melhores momentos de Finda. Quanto mais aguerrida for a canção, mais Bárbara brilha. “Mentirosa” é um belo exemplo disso, com uma guitarrinha indie a acompanhar Bárbara enquanto esta saca do momento mais braggadocious de todo o álbum: “As horas não são eternas / Mas se fizermos um filme / Podemos fazer as regras / Diz-me só a que horas chegas”. Quem dera à SZA ter escrito isto.

Mas fora “Mentirosa”, a maioria dos singles são os highlights de Finda. Tentem tirar o refrão de “Ou Não” da cabeça após o ouvirem – não vão conseguir. O mesmo pode-se dizer da frágil “Cristaliza”, onde Bárbara canta um dos versos mais engraçados e bem conseguidos de todo o longa-duração: “Que eu ergo a cabeça, faço um touchdown / Rihanna, it’s a man down / E what goes around, goes around, goes around / Comes all the way back around”. E claro, não nos podemos esquecer de “Como Tu”, faixa mais do que digna do panteão da Pop (com P grande!) portuguesa. Onde quer que “Como Tu” toque, as pessoas vão parar para ouvir e cantar – é assim tão boa. É a melhor canção pop feita em Portugal desde “Devia Ir” dos Wet Bed Gang. E quem é a chave para o sucesso de “Devia Ir”? GSON. Nada é à toa.

Na crítica de Paulo André Cecílio à apresentação de Finda no Campo Pequeno em finais de outubro, publicada no SAPO 24, este sublinhou algo que me chamou à atenção: “Mas faltou ali algo em Bárbara Bandeira, uma certa fome indizível que só compreendemos quando a testemunhamos. Em muitas ocasiões ficámos a pensar que, na noite mais alta da sua vida até hoje, a artista decidiu simplesmente picar o ponto e ir embora o mais depressa possível.

Não sei que expectativas tinha o Cecílio para o espetáculo da Bárbara, mas a sua crítica levou-me a concluir algo rudimentar sobre Finda: falta algo a este disco. Não é que grande parte do disco seja Bárbara simplesmente a marcar o ponto. Nada disso. Simplesmente falta a magia de uma faixa “Como Tu” a grande parte de Finda. Quando escutamos “Como Tu”, sentimos que foi feita por um astro enviado para nos abençoar. Quando escutamos o restante, poucas vezes encontramos algo próximo da energia desse cometa. O meio-soprano de Bárbara até pode distinguir esses momentos de outros semelhantes, mas não deixam de ser apenas “mais uma” canção de pop portuguesa (em particular as baladas).

Contudo, entende-se o porquê de existir um maior foco em fazer grandes singles em detrimento dum grande álbum. Quem é que ainda ouve álbum hoje em dia? Os números de streaming podem não revelar toda a história, mas os de Finda contam que os singles têm um impacto consideravelmente superior ao restante álbum. Desde que o álbum foi lançado, os singles de Finda têm conquistado muito mais público comparativamente com o restante longa-duração. Olhemos para o exemplo de “Carro”, single editado quatro dias antes de Finda. “Carro” já alcançou quatro vezes mais streams do que as restantes canções de Finda que não os outros singles (“Ou Não”, “Como Tu” e “Cristaliza”). Portanto, para quê garantir bons deep cuts quando estes mal vão ser escutados? Nem todos os álbuns pop são construídos como um Future Nostalgia, infelizmente.

Bárbara Bandeira certamente vai ter muitos hits no futuro. Mesmo que Finda não seja o disco que poderia ser, as expectativas mantêm-se altas; afinal, o seu potencial continua a ser imenso. Mas se Bandeira quer mesmo mudar a pop portuguesa, tem de pensar além do óbvio. Colaborar com alguém da editora Príncipe? Porque não? Seria revolucionário. Fazer um disco com um LEFT., um Luar ou um Choro? Seria interessante, sem dúvida. Se as pretensões de Bárbara Bandeira são mesmo fazer mais e melhor, então a sua próxima era tem de incluir um disco melhor e mais arrojado. Mas boas notícias: tenho a certeza absoluta de que ela tem um disco desses dentro dela. Porque fazer pop não significa marcar só o ponto com grandes singles – também é preciso fazer grandes álbuns. 

Cucujanense de gema, lisboeta por necessidade. Concluiu um curso de engenharia, mas lá se lembrou que era no jornalismo musical e na comunicação onde estava a sua vocação. Escreveu no Bandcamp Daily, Stereogum, The Guardian, Comunidade Cultura e Arte, Shifter, A Cabine e Público, foi outrora co-criador e autor da rubrica À Escuta, no Espalha-Factos, e atualmente assina textos no Rimas e Batidas e, claro está, na Playback, onde é um dos fundadores e editores.
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Por agora, não. No futuro… talvez.

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