BÓNUS: Transcrição da entrevista com MÁQUINA.

Há vivências que, por muito mais que se tente convertê-las em texto, a fim de as tentar perpetuar e partilhar o que delas se viveu com quem não teve oportunidade de lá estar, não são passíveis de conseguirmos fazer-lhes jus, nem que derramemos toda a arte e engenho sobre as palavras, tal é preciosidade do que se viveu.

Na semana passada, leu-se na capa da Playback a tentativa de enaltecer o que se viveu nas margens do rio Taboão, aquando de um momento de convívio festivaleiro com a “banda do momento”. Foi assim que acabamos por apelidar a MÁQUINA., não só pelo belo sucesso que têm conquistado, mas também pelo que parece ser o seu motto de viver e aproveitar o momento.

A semana da MÁQUINA. em Paredes de Coura acabaria por ascender a níveis históricos quando, depois de mandarem o palco secundário abaixo, surgiram como substitutos de última hora dos The Last Dinner Party (isto depois de já terem espetado uma monumental rambóia no primeiro dia do Sobe à Vila). E como imagens valem mais que mil palavras, que se veja o vídeo do Canal 180, que documentou a jardalhona de concerto que o trio lisboeta proporcionou no terceiro dia do Vodafone Paredes de Coura pelas 23h15.

Assim, com a tentativa de tentar demonstrar ainda mais a bela conversa que tivemos, e como esta foi um acontecimento quase utópico de relação entre artistas e music writers, nesta 12ª edição deixamos um miminho com a transcrição da gravação do que por lá se tagarelou. É tentar, uma vez mais, tornar em texto as vibes imaculadas que sobrevoaram os nossos corpos festivaleiros, desta vez através do discurso direto.

Capa DIRTY TRACKS FOR CLUBBING
Capa DIRTY TRACKS FOR CLUBBING

Não está cá tudo, falou-se bem mais para lá do rec. Também não retrata minuciosamente como se sucedeu, pois falou-se muito ao mesmo tempo e houve muito devaneio, mas o que em baixo se poderá ler não é uma má adição ao que disponibilizamos na Playback anterior. Considere-se isto um complemento ao artigo. Um brinde para os nossos queridos leitores. Portanto, mais uma vez, a Playback traz-vos MÁQUINA., a banda do momento.

Comecemos com uma pergunta diga-se trivial consoante o nome com que se apresentam. Que tipo de MÁQUINA é esta?

[Tomás Brito] É uma máquina de dança, mano!

Então vocês são “os Máquina” ou “a Máquina”?

[Halison Peres] Quando a gente se apresenta, nós dizemos que somos “a Máquina de Lisboa”.

[João] Nós somos um só. 

[Tomás] É singular. É uma unidade. Somos só uma Máquina.

[João] Mas as pessoas que nos chamem o que quiserem [risos]. Não queremos estar a limitar.

MÁQUINA.
Fotografia: Francisco Cabrita
Vocês pertenciam a uma banda chamada NÃO! antes de MÁQUINA. Como da primeira surge a segunda? Os NÃO!, se bem me lembro, não eram só vocês.

[Tomás] Éramos 6 pessoas. Foi um bocado continuação, de certa forma…

[João] Com a saída dos outros integrantes da banda acabamos por restar nós.

[Tomás] O Chaby, que tocava baixo connosco, foi viver para fora do país. O Márcio, que também tocava baixo, começou a focar-se mais no trabalho. De repente, começamos a ser mais nós os três a ir para o estúdio jammar e passar tempo lá…

[Halison] Também foi na altura da quarentena. Nós queríamos passar tempo juntos e tínhamos o estúdio para isso.

Chegaram a compor ou a lançar alguma coisa enquanto NÃO!?

[Tomás] Gravamos uns concertos. Não chegamos a compor, era bastante livre.

[Halison] Era um formato mais desapegado.

[João] Era só jam. Concertos de 45 minutos sem parar.

[Tomás] Sim, era mesmo uma cena kraut de ligar o motorik, o monitor, e fazeres a cena. Sem planos.

Para quem anda atento ao cenário musical português, é provável que se tenha deparado com o vosso nome, pois já contam com mais de 30 concertos por todo o país em 2023. Como tem sido essa viagem e, tendo em conta o preço do combustível, como metem a máquina a andar?

[Halison] [Risos] A gente tem de fazer por nós e acho mesmo que é por amor à camisa. Toda a gente quer a mesma cena, que é tocar. 90% dos concertos estão sendo cá em cima [no Norte], o que acaba por ser mais dispendioso. Se nós vivêssemos, por exemplo, no Porto, ou vá, cá em cima, seria muito menos dispendioso. Seria mais fácil.

[João] Mas está a ser uma boa experiência.

Pois, vocês são de Lisboa e de facto a maioria das datas são aqui no Norte…

[João] Nós só vamos a Lisboa para dormir [risos].

[Halison] O pessoal às vezes marca cenas para aparecermos às duas ou três da tarde porque acha que somos aqui do norte e acham que chegamos ao sítio em menos de hora e não conseguimos, porque somos de Lisboa. Temos de sair cedo.

Como tem sido a logística? Tem sido tranquila?

 [Halison] Tranquila mesmo. Sinto mais falta quando passa um fim de semana sem termos concertos.

Já faz parte da vossa rotina, portanto…

[Tomás] Já quebra o ritmo!

Já que estamos no Paredes de Coura, o que têm a dizer da vossa passagem pelo Sobe à Vila?

[Tomás] Foi muito fixe! 

[Halison] Ainda não me caiu a ficha.

[Tomás] Uma pessoa já vem a Coura há uns aninhos e há sempre aquela cena…

[Halison] Temos este amor por Coura!

[Tomás] Ya, e temos aquela cena de um dia tocar no Festival. Por isso, foi muito fixe este ano termos tocado na vila.

Aliás, há bocado estávamos a conversar sobre o que aconteceu o ano passado com os Baleia Baleia Baleia, em que tocaram no Sobe à Vila, mas depois houve um cancelamento mesmo no festival e eles acabaram por atuar no palco secundário. Eu estava a dizer que era muito giro acontecer isso com vocês este ano.

[risos, exclamações e sorrisos instantâneos por parte de toda a gente]

[Halison] IMAGINA! Vamos… agora já não dá, que já é um bocado tarde, mas podíamos torcer para uma banda cancelar [risos]. Estou a brincar, não metas isso na entrevista! [Risos] [Desculpa Halison, mas não podíamos deixar de partilhar isto!]

[João] Não, mas vamos passo a passo.

A vossa sonoridade quase que projeta um contexto espacial específico, como, por exemplo, uma cave escura ou uma rave com vocês no centro a tocarem. Espaços de música eletrónica grossa, portanto. Há alguma venue que pretendam tocar ou que tenham como obrigatório passarem por lá?

[João] Tinha de ser uma cena tipo Neopop.

[Halison] Eia, vocês lembram-se de quando o João Canhão deu a ideia do Lux?

[João e Tomás] Yaaaa!

Eu por acaso tinha essa nota.

[João] Ya, essa ideia já caiu na mesa.

Vocês já tocaram em alguma discoteca?

[Halison] Em Freamunde, mas era num festival.

[João] Sim, era num club, mas não era em formato discoteca. Mas era fixe tocar assim, é o nosso habitat natural [risos].

De que forma tocar ao vivo influencia a vossa forma de compor?

[Tomás] De certa forma, nós compomos ao vivo. É uma cena muito orgânica e natural. Não é um processo muito pensado. É pegar nos instrumentos e tocar.

[Halison] Acho que quando a gente está a tocar uma jam e surge aquele groove, é tentar esticar o groove e ver até onde ele vai. Quanto mais tocamos ao vivo, mais fortalece o bond para sacar aquilo que funciona…

João: É e provavelmente quando estamos live que temos umas epifanias do que resulta melhor. Mas não é esse o princípio.

[Tomás] Mas também muitas vezes o mindset de ensaio é o mindset do concerto. O ensaio é o gig.

É um concerto só para vocês…

[Halison] O João dança da mesma forma como se estivesse em palco [risos]!

[João] Oh, e o Tomás também.

[Tomás] O mindset de ensaio é o mindset do gig e o mindset de gig é um bocado o mindset de ensaio. Tentares sentir como te sentes na sala de ensaio e ser solto…

[Halison] E depois quando estás na sala de ensaio é tentar sentir como se estivesses ao vivo.

Quando estão a compor já estão a pensar como a música vai soar ao vivo ou é algo com que não se preocupam muito?

[Tomás] [Descontraído] Não. Se eu estiver a bater o pé, se estivermos todos a bater o pé, é porque a máquina está fixe.

Fotografia: Francisco Cabrita
Há uns meses, os Cave Story contavam que há um momento na história de uma banda em que, ao tocarem tanto ao vivo, sai uma faixa que é sempre a abrir, sempre a jardar. Algumas das coisas que compuseram surgiram dessa forma? De ser sempre a jardar?

[Tomás] A cena de ser sempre a jardar já vinha de NÃO! Já vinha de trás. Tocar ao vivo também te dá mais vontade de fazer mais músicas a jardar porque vês o pessoal a curtir mais.

[tiram-se mais cervejas para toda a gente e Halison relembra que ainda há tremoços]

Como foi abrir no Musicbox para A Place to Bury Strangers? Ouvi dizer que foi insano!

[Tomás] Foi uma noite icónica. Memorável!

[Halison] Estávamos bem acompanhados também!

[Tomás] Mais uma vez, foi um ponto tão alto como tocar em Coura. Abrir para A Place to Bury Strangers foi uma cena especial.

[João] São aqueles sonhos que nós não pensamos, mas que depois acontecem.

[Halison] Nada estava planeado…

Ouvi dizer que se deram muito bem com eles.

[Tomás] É pessoal muito querido.

[João] Sim, estivemos com eles na rádio, jantamos com eles e depois no dia seguinte, quando fomos tocar, já havia uma ligação. Tu vês no backstage que não é preciso muita coisa para sacar bom som. Eles chegam, vêem o gear que têm e o que podem usar, e fazem o que sabem.

[Tomás] É pessoal com quem consegues aprender muito.

Eles viram o vosso concerto?

[Todos em uníssono] Viram, viram!

[Halison] Estavam lá na frente.

E deram feedback?

[Tomás] Deram bons props!

[Halison] E planos para o futuro, talvez.

Diriam que estes dois concertos, o do Musicbox e o da Vila, foram os concertos mais especiais que tiveram este ano?

[Halison] Foi, ainda por cima tocar em casa.

É que já é mesmo muito concerto. Quantos são ao certo?

[Tomás] O objetivo deste ano é chegar aos 50. Temos 47 marcados, mas já estão feitos… 35 para aí.

E nos próximos meses continuam na estrada, passando por palcos como o Amplifest, um dos festivais com a sonoridade mais bruta do país, ou até além-fronteiras, em Minorca…

[Tomás] Vamos a Minorca no dia antes de estarmos no Amplifest… vai ser uma missão.

[João] Nós também vamos lá para aproveitar, vamos lá passar dois ou três dias…

Olha que fixe! Era um bocado aí onde queria chegar. Como estão as expectativas para os próximos concertos?

[Halison] Terminar o álbum…

[Tomás] Não, mas isso é agora agora. Nós temos de bazar de Coura mais cedo, porque temos de acabar o álbum.

E isso pode-se dizer?

[João] O quê? Que estamos a acabar de gravar o álbum?

Sim.

[Todos] Claro!

[João] O objetivo é acabar o mais rápido possível.

MÁQUINA. no Bang Avenue, em Torres Vedras
Fotografia: Francisco Cabrita
Ótimo! Então, e relativamente aos concertos?

[Tomás] Estamo-nos a sentir com pica! Vêm aí umas datas interessantes.

[João] Estamos com a mesma pica do que os outros que já passaram. Sem muita expectativa, mais deixar absorver o que aparece.

Vê-se que não pensam muito nesse tipo de coisas, vocês gostam é de dançar e fazer o pessoal dançar e é sobre isso…

[Halison] Ya, é chegar meter o strobe light a piscar e “BORA PESSOAL!”

[João] São mais sensações do que raciocínio.

Já que falámos da vossa futura ida ali a Espanha, pergunto: atualmente, vocês têm relação com a Pointlist e com a Saliva Diva, agência e editoras portuguesas. Contudo, têm alguma pretensão de internacionalizar a vossa música?

[Halison] Isso é uma cena natural. Ainda para mais em Portugal. É o mesmo que no Brasil, apesar de que em escalas diferentes, em que eu estou a fazer música para ser vendida cá dentro, ou até fora, mas é muito difícil acertar nos dois mercados.

[João] Até porque nós este ano, já que estamos a tocar em todo o lado possível, se calhar o próximo ano era fixe já…

[Tomás] É fixe não estagnar só aqui também. Há um circuito, mas é um circuito que é fácil começares-te a repetir muito.

Por exemplo, como surgiu este concerto agora em Minorca?

[Tomás] Foi através da Pointlist, do [João] Modas. Ele trabalha bem [risos].

[João] Quase 100% de tudo o que estamos a fazer, foi Pointlist.

[Tomás] Ya, 90% dos concertos…

[João] 95% se calhar…

[Halison] [Risos] 99,9%!

Então se surgir, surge, mas não é uma pressão ou pretensão que vocês sentem?

[Tomás] Não sentimos pressão. Há probabilidade disso para o ano acontecer, mas é uma coisa que está a acontecer bastante naturalmente, sem forçarmos.

Vocês dizem e muito bem que o vosso som puxa tanto inspiração do krautrock como do techno industrial. De que forma surgiu essa fusão?

[Tomás] Das cenas que um gajo ouve, estás a ver?

[João] Nós começamos no krautrock, passámos depois para o techno industrial. Claro que depois o nosso som remete para ambos.

E as vossas origens?

[João] NÃO! era bem kraut.

[Tomás] Ya, NÃO! era completamente kraut. Mas mesmo cenas antes, não eram necessariamente kraut, mas eram tipo garageadas, aquele psicadelismo de muitas cenas que foram influenciadas pelo kraut.

[Halison] Eu na quarentena cheguei a fazer sets de techno industrial com um amigo também…

Diriam que vocês têm diferentes origens musicais?

[Halison] Um bocado, mas que se juntam.

[João] Daí sermos amigos. Não só sobre isso, mas isso também é uma parte.

Já agora, como se conheceram?

[João] Eu conheci o Halison em 2017 no Primavera Sound e depois ficámos amigos. Ele trabalhava num spot e reuníamo-nos todos lá. 

[Tomás] E tínhamos amigos em comum já.

[João] Sim, depois, passado uns anos, tínhamos um estúdio numa venue, conhecíamos o Chabi, ele era amigo do Tomás, e pronto. Foi só amor a partir daí.

A MÁQUINA. vive e opera no momento e, atualmente, também ela é o momento.
Fotografia: Francisco Cabrita
Têm alguns nomes que vos inspiraram, tanto do kraut como da eletrónica?

[Halison] Tipo Minami Deutsch é uma boa base…

[Tomás] Minami Deutsch é uma base!

[Halison] NEU!, CAN

[Tomás] Föllakzoid!

[João] Föllakzoid é boa base…

[Tomás] E cenas de eletrónica, tipo Boy Harsher.

[João] EBM também…

[Halison] Ya [eletronic] body music dos anos 80, final de 80 para 90.

[João] E coisas minimal, mas com boa bass line e pujança.

O nome do vosso álbum, DIRTY TRACKS FOR CLUBBING, é uma boa catalogação para a música que fazem, que é um belo cozido de barulho dançante. Há mais alguma resposta à pergunta de que género tocam?

[Tomás] É sempre uma pergunta complexa.

[Halison] Com as pessoas que já vieram descrever o nosso concerto depois, tipo o nosso som, já ouvi tanta coisa…

[João] Cada um tem a sua referência. Uma vez disseram-nos que nós somos uma junção de Tame Impala com Beatles

[toda a gente começa a rir]

[Halison] Outra pessoa disse que nós éramos uma junção de Nine Inch Nails com Chemical Brothers.

[João] Um gajo não julga porque cada um tem a sua referência.

[Tomás] Exato, cada um tem a sua. Cada um dá a referência mais próxima que tem.

[segue-se um devaneio sobre a catalogação Tame Impala + Beatles]

Eu acho que quando alguém diz que a música que fazem é uma junção de Tame Impala com Beatles, é porque se chegou a ALGO. É porque COZINHARAM!

[Halison] Teve um gajo que chegou ao pé de nós e tentou descrever [o nosso som] e disse: “Não levem a mal o que vou dizer, mas o vosso som” – e ele fechou o olho e começou. “É eletrónica com rock com uma batida industrial, mas com um bocado techno”. E eu, “Estás a descrever tudo”.

[Tomás] Há pessoal que acerta na mouche, o que é mesmo fixe.

[Miguel Rocha chega e volta-se a falar da junção Tame Impala com Beatles]

[Tomás] O gajo assim “Mano, as tuas bass lines, Paul McCartney”

[João] Ele até frisou que percebeu tudo…

[Eduardo, amigo e leitor da Playback] Mas ele estava intoxicado…

[Tomás] Ele disse que não, mas muito provavelmente [risos].

Mas já agora, gostaram de serem comparados a uma junção de Tame Impala com Beatles?

[Tomás] Eu acho incrível.

[João] Eu fiquei bué contente. Ele adorou o concerto também.

[Tomás] Muito querido. Bué simpático, boa onda, uma referência um bocado ao lado, mas bué fixe…

É interessante ver o que uma pessoa viajou para ter chegado aí durante um dos vossos concerto. Como dizia, compararem-vos a uma mistura desses dois nomes é porque de facto se cozinhou algo e chegou-se a uma pólvora que nunca ninguém tinha descoberto. E já que falamos do vosso disco, o que têm achado da sua receção, bem como do lugar que têm conquistado no cenário da música independente em Portugal?

[Tomás] Epá, completamente inesperado. [Risos]

Nem nos vossos sonhos mais ambiciosos?

[Tomás] Não, porque um gajo não estava com sonhos ambiciosos.

[João] Normalmente, uma banda quando começa não tem tantas oportunidades.

[abrem-se mais cervejas]

[Halison] Quando a gente começou a tocar junto, a gente não entrou no estúdio pensando em fazer uma banda, era mais a necessidade de estar lá e poder tocar com eles. E o som que fazíamos acabava por ficar lá dentro…

[Tomás] E nós antes de percebermos que éramos uma banda, que isto era uma banda, já o estávamos a fazer há algum tempo só porque estávamos a curtir.

Como surgiu a conceção do álbum?

[Tomás] Nós tínhamos as músicas só de estarmos a tocar à toa no estúdio. Depois, houve um convite para NÃO! tocar – para a banda NÃO! tocar [risos] –, mas NÃO! já não tocava. E nós dissemos, se calhar NÃO! não dá, mas nós temos esta cena, bora aí só tocar estas songs. O pessoal aderiu bué fixe e nós pensamos que, se calhar, era uma cena. Depois disso é que decidimos gravar as músicas e fechar o álbum.

O disco surgiu então das vossas jams e do tocar ao vivo. Por isso, deram concertos sem terem em mente a gravação do disco. Quantos concertos foram necessários até chegarem a essa conclusão?

[Tomás] Não muitos.

[João] Alguns, quatro para aí.

[Tomás] Quatro?

[Halison] Quatro.

[Tomás] Quatro!

Chegaram rápido!

[Halison] Já estávamos a tocar as músicas há bué tempo. Nem sabíamos que éramos uma banda. A cena surgiu assim. Estávamos a tocar. Convidaram-nos para tocar no Desgraça. Ainda nem tínhamos voz, nem nome de banda…

Como surgiu o nome?

[Tomás] Sei lá, só brainstorm. Nós somos péssimos com nomes.

[Halison] Estávamos a fumar um e foi na hora.

E há algum conceito por detrás da banda, que se conecte com o nome das faixas?

[Tomás] Foi fluindo só, natural.

[João]  A MДQUIИД. já tem um ponto. Foi só unir os quatro pontos e criar um álbum. 

[Tomás] Sinto que todo este disco, primeiro disco, nunca foi nada pensado. Foi tudo uma cena que fluiu bué naturalmente, desde as songs, até ter sido gravado, como foi gravado, os nomes… Foi só: “Já que isto está a soar fixe e o pessoal até curtiu, bora só guardar para recordar”. Depois, de repente, o pessoal curtiu bué e um gajo está a fazer uma tour pelo país e com quase 50 concertos marcados. Bué fixe, bué inesperado.

[Halison] Isto não foi nada planeado.

[João] E também estamos a fazer muitos amigos na estrada…

Qual é a melhor coisa de andar tanto na estrada?

[Tomás] É conhecer pessoal.

[João] Fazer amigos! Neste circuito, mais no norte, conheces muita gente. Cruzas-te com muito pessoal.

[Halison] THE PEOPLE. É a música dos 10 000 Russos.

[Tomás] Cruzas-te mesmo com muito pessoal, malta que tu já sabias bem quem era, que já acompanhavas…

Halison] Ya, as bandas que a gente curtia e que agora vêm dar props.

[João] Não só as bandas, produtores e toda a gente no geral. O pessoal!

Sentem que este próximo disco vai ser influenciado por esta vossa experiência na estrada?

[Tomás] Inconscientemente, de certeza.

[Halison] Há umas músicas que a gente já tinha guardadas e umas de agora e dá para notar um bocado a diferença.

[Tomás] Mas o segundo disco vai ser definitivamente uma continuação do primeiro.

No mesmo registo?

[Tomás] Ya. Talvez um bocado mais aprimorado.

[João] Uma música ou outra mais diferente…

[Tomás] Sim, se calhar vai ter uma ou outra música já a puxar para outro caminho, quer dizer não outro caminho…

[Halison] Que abre um bocado o range!

[Tomás] Ya, mas vai seguir a mesma linha.

Sentem que já melhoraram enquanto músicos?

[Tomás] Acho que estamos a tocar melhor. Quer dizer, continuamos a mandar muito prego! [Risos] 

[João] Mas a memória muscular está melhor.

MÁQUINA. no Ano Malfeito, em Fafe.
Fotografia: Francisco Cabrita
A vossa música é de facto um hino à cacofonia. As vossas faixas são quase como ciclos (loops) caleidoscópicos que fervilham muito numa onda rock (até, diga-se, punk) como emana os efeitos de entorpecimento e hipnotismo de uma rave industrial. O vosso objetivo será sempre buscar estas “repetições contínuas”, ou já pensaram em explorar outros tipos de estruturas musicais, ou até, quiçá, outros tipos de estética.

[Halison] Está a ir um bocado como vai.

[Tomás] A repetição faz parte de um gajo.

[João] A música eletrónica também é assim. Tem layers, mas a repetição fica ali, seja uma bass line ou texturas.

[Halison] Se calhar adicionar mais uma outra nota [risos].

[Tomás] No próximo álbum acho que trocamos de tom.

Mais para cima, mais para baixo? Como é? Mais luz, mais escuro?

[Tomás] Eu ia deixar surpresa, mas mais escuro.

Mais grosso, portanto.

[Tomás] Sempre mais grosso.

Tinha aqui a pergunta de como é o vosso processo criativo, mas já falámos sobre isso…

[Tomás] É estar juntos.

[Halison] Mesmo sem tocar.

[João] Ganhamos muito a conversar também.

É um processo dos três.

[Halison] É a MÁQUINA. É uma unidade só.

Já ponderaram alargar os instrumentos que moldam o vosso som?

[Halison] Não necessariamente. Já?

[João] Até agora não, mas provavelmente no futuro…

[Tomás] Nunca se sabe o que o futuro traz, mas para já estamos bué fixes neste formato. Ainda temos muita coisa para explorar com este formato, por isso, enquanto sentirmos que ainda há cenas para explorar, vamos continuar.

[surge devaneio sobre potenciais instrumentos]

Eu tinha aqui esta pergunta, que honestamente é um bocado goofy, mas como as coisas estão a correr, já percebi que não vai ser. O realizador Ari Aster, pediu aos seus fãs para que estes não usassem estupefacientes aquando da exibição do seu mais recente filme, Beau Is Afraid. Aconselham algo deste género aos vossos fãs com a vossa música ou para os vossos concertos? 

[Risos]

[Tomás] Façam o que quiserem!

[João] Fiquem loucos.

[Halison] É engraçado se o pessoal fica num estado desses sem tomar nada. Por exemplo, uma vez com NÃO!, que era só instrumental, o pessoal disse que começou a ouvir vozes [risos].

As vozes neste disco também andam escondidas.

[Halison] É um instrumento.

[Tomás] É só mais uma layer.

[João] Não é aquela banda que o vocalista está ali a sobrepor-se. O importante é ouvir o instrumental.

[Halison] Mas sim, o pessoal sóbrio que vai aos concertos e diz que não tomou nada, mas que saiu de lá e parecia que estava drogado… Ótimo!

Não têm medo que a malta passe mal, como o Ari Aster.

[Halison] Desde que esteja todo o mundo bem! E se for para fazer moshs, não levantem os cotovelos.

Costumam ter muitos?

[João] Não em todos, mas o pessoal às vezes cria. Normalmente é mais clubbing.

[Tomás] Não sei se o som puxa a malta. Aqui na Vila houve circle pit [risos].

Nos concertos, parece que vocês também se perdem no vosso universo, tal como os fãs se perdem na vossa música, sempre focados nos vossos instrumentos e às vezes sem sequer tirar os olhos deles. Como vocês preparam um concerto e qual a postura que gostam de ter quando estão em palco?

[João] Chega a hora e tu incorporas.

[Halison] Olha só, teve um gajo, quando tocámos numa cave, tinha para aí 10 pessoas e ele disse-nos que estávamos a dar tudo. E eu: “É mais um dia”.

[Tomás] É o que disse há bocado. Mindset de um ensaio é como se fosse um gig e um mindset de um gig é entrares naquela bolha que sentes na sala de ensaio, de estares confortável, ouvires o teu som perfeitamente e entras naquele groovezinho, encaixas mesmo bem e só queres manter-te junto (tight).

O público também ajuda nessa devoção.

[Tomás] Claro! Eu sou um bocado aquele burro que está sempre a olhar para o chão ou está sempre com a cabeça dentro do amp. Mas volta e meia dou assim um radar para ver como está o pessoal e quando vês o pessoal bem louco, voltas com outra pica extra.

[João] Normalmente é fixe estares assim mais abstraído.

MÁQUINA.
Fotografia: Francisco Cabrita
E qual é que foi a cena mais bizarra que vos aconteceu num concerto?

[João] Boa pergunta!

[Tomás] Mais bizarra? Não sei se é bizarro, mas foi bué louco. No FAUP Fest a malta invadiu o palco, foi tudo lá para cima dançar. E nós a dizer aos seguranças para deixar. Estávamos a tocar com o pessoal todo à volta a dançar e isso foi muito louco.

[Halison] Ontem [no dia 15 de julho], aqui em Coura, estávamos ali na casa amarela e um cota mostrou-nos um vídeo de 40 segundos dele lá no meio do pessoal. A saltar!

[Tomás] Uma cena bué fixe também. O que estamos a fazer é um bocado intergeracional. Já veio pessoal bué novo e pessoal bué cota a dar props e é MUITO FIXE ver o pessoal mais velho a curtir um molho.

Sim, até porque os auges do kraut e do techno industrial já foram noutras gerações.

[Halison] É um bocado timeless!

Acham que conseguem descrever a vossa audiência?

[Halison] FREAKS! [risos]

[Tomás] É bué variada. Tu vês pessoal de todo o lado. Pessoal do rock, da eletrónica. Aliás, nós temos um amigo que descreveu isso como…

[Halison] Junta o rockeiro das patilhas com os jovens alternos das pastilhas!

[Tomás] O Jonas tem direitos sobre isso [risos].

[Halison] Um beijinho Jonas.

[Eduardo] Eu tenho uma para vocês. São a máquina destruidora de paivas! [Risos]

[segue-se uma conversa dos concertos que os presentes já assistiram da MÁQUINA.]

Vocês têm algum setup que preferem?

[Halison] Eu tenho um. O pessoal a dançar à nossa volta. No meio de nós. Não como um concerto, mas como uma festa.

[Tomás] Ia ser um pesadelo técnico, mas ia ser porreiro.

[voltamos à vida de concertos com referências ao regresso dos 800 Gondomar]

Tenho só aqui mais uma pergunta.

[Halison] [entoa de forma radiofónica] Estamos chegando na reta final da entrevista!

Se esta máquina fosse do futuro, onde é que estariam?

[Halison] Eu estaria lá com Elon Musk em Marte [risos].

[Tomás] Nah, este gajo sabe-se mexer, ele estaria lá em Marte fácil.

[João] Eu acho que estaria no passado.

[Halison] O João é um gajo vintage. Eu ia para um concerto dos Kraftwerk em 72 quando eles já estavam a fazer eletrónica e ninguém sabia o que eles estavam a fazer.

[João] A malta lá toda sentada.

Bem malta, acho que estamos.

[Halison] Se vocês estão bem, nós estamos bem.

[Miguel Rocha] Eu estou bêbado!

Nascido e criado em Faro, divide o seu coração entre as suas duas grandes paixões, o cinema e a música. Aspirante a cientista da comunicação, já passou pelo Espalha-Factos onde foi um dos autores do À Escuta. Conseguem apanhá-lo em festivais de música e em cineclubes!
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